O Estado de São Paulo, n. 46506, 14/02/2021. Metrópole, p. A14

Por todo o País, cidades do carnaval vivem tristeza e 'rotina fora de época'
Fernanda Santana
Pedro Jordão
14/02/2021



Principais artistas e grandes blocos e escolas reconhecidos pela folia de rua trocam os principais circuitos carnavalescos de Salvador, Pernambuco e Minas por shows online, muitos também restritos; cancelamento de ponto facultativo também muda planos do comércio

Sem confete, glitter ou trio elétrico nas ruas. Pela primeira vez, Elielson Suplício (o Léo Fissura), de 47 anos, observou pelas janelas, abriu a porta, percorreu quilômetros e não encontrou vestígio de carnaval. Até acordou perdido no fuso, em Salvador. "Não chorei por fora, mas por dentro...", diz o porteiro. É a primeira vez, que se tenha registro histórico, que o carnaval não acontecerá. E o cancelamento da grande festa popular, pela covid-19, atinge os demais polos turísticos da folia espalhados pelo País.

É rotina fora de época. Os circuitos mais tradicionais do carnaval de Salvador – o Dodô (entre os bairros da Barra e de Ondina) e Osmar (no Campo Grande) – amanheceram e anoiteceram sem foliões. A prefeitura cancelou o ponto facultativo para evitar aglomerações. "O dia acordou estranho. Estou feliz por ter saúde, e não acho mesmo que deveria ter festa, mas o coração está partido", disse Léo Fissura. Ele costuma sair os seis dias – pois o carnaval abriria oficialmente na quinta –, para seguir o trio de Bell Marques.

E para quem a festa significa sustento acordar sem planos de ir para a avenida, matar a sede e a fome dos foliões, foi ainda mais penoso. "Quase chorei", diz a vendedora ambulante Derivalda Oliveira, de 57 anos, que trabalha há 15 no circuito Dodô. Um estudo da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia mostrou que, sem a folia, R$ 1,7 bilhão deixará de circular na cidade e 60 mil trabalhadores ficarão sem renda.

Um ano sem o Galo. Neste sábado, primeiro dia oficial da festa em Pernambuco, a cidade do Recife não teve o tradicional desfile do Galo da Madrugada e as ladeiras de Olinda ficaram silenciosas e desertas, em função dos decretos do governo Estadual, que visam a evitar aglomerações e proíbem até o comércio nos centros históricos. Como em Salvador, artistas, blocos e bandas programaram lives para levar a folia ao público por redes sociais e canais de compartilhamento de vídeos. O plano era produzir vídeos com até 50 carnavalescos, mas até isso foi restringido. Na quinta o governo baixou norma limitando cada live a dez pessoas.

O folião Luiz Carlos Mendes, de 58 anos, relata que vai ao Galo da Madrugada há 40 anos, sem nenhuma exceção. "Faça chuva ou faça sol, estou lá . Já fui para o Galo com dengue diagnosticada pelo médico, que me deu 15 dias de repouso. Eu disse: 'Doutor, 15 dias não dá, porque na próxima semana eu tenho o Galo'. Ele disse que eu não podia ir e, mesmo assim, eu fui", relata. "Nunca perdi o Galo! E essa pandemia, essa falta do Galo, é como se houvesse tido uma amputação de alguma parte minha, está um vazio muito grande. Eu chorei muito, não tenho vergonha de dizer. Só de falar já fico emocionado", afirma.

Já as ladeiras de Olinda ficaram desertas ontem, sob vigilância policial. "Há poucas pessoas transitando, um silêncio nunca visto. Às vezes, uma ou outra pessoa passa cantando uma marchinha, levando vizinhos às lágrimas", diz Meire Oliveira, de 63 anos, entristecida.

Como o comércio de rua e os shoppings vão funcionar amanhã e terça, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Pernambuco (Abrasel-PE) criou um festival gastronômico. "O turismo em Pernambuco teve uma receita de R$ 2,3 bilhões em 2020 e não sabemos o que vai ser deste ano", disse o presidente, André Araújo.

Minas. Já as ondas de foliões que desciam e subiam as ladeiras de Ouro Preto, em Minas, também vão ficar na saudade, pelo menos este ano. A prefeitura cancelou o ponto facultativo entre os dias 15 e 17 e o carnaval presencial, considerado um dos melhores do país, está sem data. No lugar, a prefeitura lançou o carnaval virtual 'Beleza Pura', em 2021. "Todos os blocos se dispuseram a contribuir conosco e fizeram lives que serão mostradas durante este período", disse Felipe Guerra, secretário de Governo.