O Globo, n. 32049, 06/05/2021. País, p.6

 

 

 

Teich diz que se demitiu após pressão por cloroquina

 

 

Ex-ministro confirmou à CPI que deixou o cargo por divergências com Bolsonaro sobre tratamento sem comprovação

 

JULIA LINDNER, NATÁLIA PORTINARI E ANDRÉ DE SOUZA

opais@oglobo.com.br

 

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich afirmou em seu depoimento na CPI da Covid que pediu demissão do cargo devido à pressão do governo pela utilização de medicamentos sem embasamento científico no tratamento da Covid-19, com destaque para cloroquina. O médico afirmou que a saída da pasta apenas 29 dias após assumi-la ocorreu quando percebeu que não teria autonomia nem liberdade para atuar no combate à pandemia.

A pressão pelo governo federal, especialmente pelo presidente Jair Bolsonaro, para que técnicos endossassem o uso de medicamentos sem eficácia comprovada é um dos alvos de investigação da comissão. Teich lembrou que a defesa da cloroquina por Bolsonaro teve aval de integrantes do Conselho Federal de Medicina:

— Essa falta de autonomia ficou mais evidente em razão das divergências com o governo quanto à eficácia e extensão da cloroquina no tratamento de Covid-19. Enquanto minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia eficácia para liberar, havia um entendimento diferente do presidente, que era amparado por outros profissionais, até pelo Conselho Federal de Medicina. Isso foi o que motivou minha saída. Sem liberdade de conduzir o ministério conforme minhas convicções, decidi deixar o cargo.

Teich disse ainda em resposta ao relator Renan Calheiros (MDB-AL) que não participou de decisões nem foi consultado sobre a produção de cloroquina pelo Exército na sua gestão e que o uso de medicamento pelo Ministério da Saúde “é uma conduta inadequada”.

O ex-ministro disse que havia uma preocupação do “uso indevido” de medicamentos em geral, não apenas da cloroquina.

—(A cloroquina) é um medicamento que tem efeitos colaterais. Essencialmente, era a preocupação do uso indevido. Isso vale não para a cloroquina, mas para qualquer medicamento.

 

AVAL DO CONSELHO

Teich contou que a única questão que gerava discussão era a cloroquina. De acordo com ele, o seu pedido de demissão ocorreu justamente pelo pedido de ampliação do uso do medicamento. O exministro avalia que, embora tenha sido um ponto específico, “isso refletia uma falta de autonomia” no Ministério.

Inicialmente, o ex-ministro disse que não participara de reuniões para tratar do uso da cloroquina, mas questionado sobre uma agenda em abril do ano passado com Bolsonaro, no Palácio do Planalto, para que o Conselho Federal de Medicina (CFM) pudesse apresentar um estudo sobre a utilização do medicamento no combate a Covid-19, ele reconheceu que houve a reunião e citou um documento que valida o uso do medicamento “de acordo com critério médico”:

— O presidente do CFM apresenta um documento em que valida o uso de cloroquina em pacientes com doença leve ou moderada, desde que de acordo com critério médico. Essencialmente, (a reunião) foi isso.

 

ATIVIDADES ESSENCIAIS

Teich também comentou a decisão do governo de ampliar o rol de atividades essenciais sem consultá-lo. À época, ele estava no meio de uma coletiva quando foi informado pela imprensa, sendo surpreendido com a informação.

—Aquilo foi uma situação ruim. Conversei com eles depois. Eles até pediram desculpa. Aquela condução foi ruim, trouxe uma percepção ruim para todo mundo —avaliou Teich.

Questionado sobre a entrada do general Eduardo Pazuello no ministério — ele foi secretário executivo na pasta antes de se tornar ministro —, Teich contou que foi uma indicação de Bolsonaro, mas que, apesar da inexperiência na área da Saúde, ficou acertado que o militar atuaria sob sua supervisão.