O Estado de São Paulo, n. 46500, 08/02/2021. Política, p. A7

Centão mira espaço ocupado por militares
Felipe Frazão
08/02/2021



Fortalecido após vitórias na Câmara e no Senado, grupo quer dividir protagonismo com generais no primeiro escalão do governo federal

Saúde. Pasta comandada pelo general Eduardo Pazuello é uma das cobiçadas pelo Centrão

A vitória nas eleições do Congresso impulsionou o apetite do Centrão por espaços no governo do presidente Jair Bolsonaro, que agora terá um novo esteio para blindar seu mandato. O bloco de partidos da chamada "velha política", atacada por Bolsonaro na campanha eleitoral, busca dividir protagonismo político com os generais na Esplanada dos Ministérios e voltar aos cargos de seus antigos redutos na máquina pública.

O grupo mira as pastas da Saúde, chefiada pelo general Eduardo Pazuello, e de Minas e Energia, comandada pelo almirante Bento Albuquerque, e setores da Infraestrutura, de Tarcísio Gomes. Esses ministérios têm órgãos vinculados espalhados pelo País, chefiados também por militares. Outras pastas são Cidadania e Desenvolvimento Regional, ambas controladas por políticos de carreira.

Minas e Energia pode voltar à órbita do Senado, sendo oferecida a aliados pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), empoderado pelo Palácio do Planalto e um dos responsáveis pela vitória do governo. Ele sondou o senador Nelsinho Trad (PSDMS) para o cargo. Bento Albuquerque também foi questionado por causa do prolongado apagão no Amapá no ano passado.

Alcolumbre atribui ao apagão a derrota do irmão Josiel, que disputava a prefeitura de Macapá.

No ministério, o Centrão mira especialmente os cargos da Itaipu Binacional, presidida pelo ex-ministro da Defesa Joaquim Luna e Silva. Oficiais do Exército ocupam postos estratégicos. Na Infraestrutura, o alvo dos aliados do governo é o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), presidido pelo general Antônio Leite dos Santos Filho.

Para atender ao assédio do Centrão, Bolsonaro reconheceu a possibilidade de recriar pastas como Cultura, Esporte e Pesca, mas recuou. "Quem está correndo atrás de ministério da Cultura, do Esporte e da Pesca?", desdenhou Ricardo Barros (Progressistas-pr), líder do governo na Câmara, um dos expoentes do bloco que forma agora a base do governo.

Na semana passada, o Estadão revelou pressão de Barros para "enquadrar" a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ex-ministro da Saúde, ele negou intenção de retornar ao cargo. A agência é presidida pelo contra-almirante Antônio Barra Torres, mas uma mudança no comando é considerada remota, porque ele exerce mandato de cinco anos, com respaldo de Bolsonaro.

Barros descarta uma reforma ampla e a substituição de Eduardo Pazuello do comando da Saúde, apesar da cobiça de seu partido. Setores do Progressistas, porém, deixam claro o interesse de voltar ao ministério. Bolsonaro tenta dar sobrevida ao general do Exército. A obediência do militar a suas orientações chegou a ponto da pasta recomendar tratamentos de cura sem comprovação científica no combate à covid-19. O ministro é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) pela gestão na pandemia. Ele é o único oficial da ativa a permanecer como ministro, fato que contraria o Alto Comando do Exército.

Traição. O ingresso do Centrão no primeiro escalão de Bolsonaro constrange os militares, afirmam oficiais da ativa e da reserva. "O que está acontecendo agora é mais uma traição às promessas de campanha, mais uma que vai para o ralo. A política do 'toma lá, da cá' é agora praticada de maneira aberta e escancarada. Considero um fato grave", disse o general Francisco Mamede de Brito Filho, da reserva do Exército.

Sob anonimato, generais da ativa reconhecem que a chegada do Centrão pode reduzir a presença militar, mas lembram que os partidos já ocuparam "silenciosamente" grande parte dos cargos de segundo escalão. Os militares tinham 6 mil em funções civis, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União do ano passado. Os oficiais dizem que o governo estava "emparedado" e foi forçado a buscar amparo político, na base do fisiologismo. Também lembram que não será o primeiro governo a se aliar ao Centrão, apesar das promessas do presidente de não ceder, e que o bloco pode dar sustentação à agenda de campanha.

O general de Exército Maynard de Santa Rosa, ex-secretário de Assuntos Estratégicos de Bolsonaro, afirma que não considera saudável rotular um arranjo político inteiro como corrupto. Reconhece, porém, que existe esse preconceito com o bloco entre os militares. "Só vai ter problema se o Centrão confirmar o preconceito", afirma. "O que acontece fora do Exército não necessariamente influi na tropa, a não ser que haja interesses afetando os dois lados. O que pode afetar é a imagem na opinião pública."