O Estado de São Paulo, n. 46838, 12/01/2022. Economia & Negócios, p. B1

Em carta de justificativas, chefe do BC menciona fenômeno global
Thaís Barcelos
Eduardo Rodrigues
12/01/2022



O forte aumento dos preços de commodities (produtos básicos, como petróleo, alimentos e minério), a bandeira de energia elétrica de escassez hídrica e a falta de insumos, com gargalos globais, foram apontados pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como os principais fatores que levaram a inflação a superar o limite superior da meta em 2021. A justificativa foi dada em carta aberta ao presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN), o ministro da Economia, Paulo Guedes, devido ao descumprimento pelo BC de seu mandato principal.

Na carta, Campos Neto frisou a influência da pandemia, com mudanças de padrão de consumo e políticas expansionistas em nível global, sobre o desvio da inflação e destacou que a aceleração inflacionária foi um fenômeno global no ano passado, "atingindo a maioria dos países avançados e emergentes".

O IPCA, o índice oficial de inflação, terminou o ano passado em 10,06%, 4,81 pontos porcentuais acima da banda superior do objetivo a ser perseguido pelo BC (5,25%) – o maior desvio em quase 20 anos, já que, em 2002, o "estouro" foi de 7,03 pontos porcentuais. A última vez que o teto da meta havia sido rompido, em 2015, a distância havia sido de 4,17 pontos porcentuais, quando o IPCA registrou alta de 10,67%.

A carta aberta é uma exigência do sistema de metas, criado em 1999, quando a inflação fica fora do intervalo de tolerância, para explicar as razões do descumprimento e indicar providências para o retorno à meta, assim como o prazo para que isso ocorra.

Sobre as providências, Campos Neto alegou que "o BC tem calibrado a taxa básica de juros, e continuará a fazê-lo, com vistas ao cumprimento das metas para a inflação estabelecidas pelo CMN".

Há quem diga, contudo, que a reação demorou demais e que o BC corre risco de perder a meta pelo segundo ano consecutivo, em 2022, já que o Boletim Focus aponta para alta de 5,03% (o teto é 5,0%).

O órgão relutou, assim como outros bancos centrais e a maioria do mercado financeiro, em enxergar a subida da inflação como uma ameaça mais duradoura, mantendo a avaliação de que o choque era temporário até junho passado. Isso dificultou uma ação mais forte para o controle de preços.