O Estado de São Paulo, n. 46836, 10/01/2022. Política, p. A6

Reajuste à PF prometido por Bolsonaro põe pressão sobre governadores
Adriana Ferraz
10/01/2022



O reajuste salarial prometido pelo presidente Jair Bolsonaro a policiais federais em ano eleitoral pode provocar um efeito cascata nos Estados, onde governadores já são pressionados a aumentar os valores pagos às polícias Civil e Militar. Em São Paulo, a gestão do tucano João Doria, pré-candidato à Presidência da República, é alvo de críticas de ambas as corporações que, próximas ao bolsonarismo, planejam intensificar a campanha salarial até abril, data-limite para concessão de aumento a servidores segundo a legislação eleitoral.

Assim como ocorre em São Paulo, há previsão de protestos organizados por sindicatos militares e civis em outros Estados, como Minas, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul. Como policiais não podem, por força de lei, fazer greve, a estratégia passa pela adoção da chamada operação-padrão – quando só os serviços essenciais são oferecidos à população.

“O governo Bolsonaro, infelizmente, não pode melhorar o salário dos militares de todo o Brasil. Se pudesse, tenho certeza que ele faria, como fará com os federais. Ficamos chateados porque o Doria prometeu, na campanha, que passaríamos a ter o segundo melhor salário do País, perdendo só para o Distrito Federal, mas ele só nos deu 5% de recomposição até agora”, afirmou o cabo Wilson Morais, presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo, que no fim do mês promete retomar manifestações públicas por aumento.

Ao Estadão, o governo paulista afirmou que atualmente finaliza os estudos técnicos e financeiros para definir o porcentual de aumento para as forças de segurança. A intenção é encaminhar um Projeto de Lei Complementar com essa finalidade à Assembleia Legislativa (Alesp) a tempo de ser aprovado antes de abril.

Para o sindicato dos delegados de polícia do Estado, a concretização do plano é essencial para que se possa dar uma vida digna a quem se arrisca todos os dias. “É hora de estabelecer um cronograma de recomposição que seja de fato cumprido para que possamos ter salários condizentes com os riscos e responsabilidades das funções que exercemos”, disse a presidente da entidade, Raquel Kobashi Gallinati. Ela classificou a intenção de Bolsonaro com relação à Polícia Federal como “extremamente positiva” e exemplo para os Estados.

Em Minas, o sindicato dos policiais civis vai se reunir nos próximos dias para definir se haverá operação-padrão como forma de cobrar o governo Romeu Zema (Novo). “Não descartamos essa possibilidade. É uma guerra que temos enfrentado, e é hora mesmo de pressionar.

A PF faz praticamente o mesmo trabalho que a gente. Por que eles podem ter reposição salarial e nós não?”, reclamou o presidente José Maria de Paula. Entidades do Paraná e do Rio Grande do Sul discutem medidas semelhantes.

UNIFICAÇÃO. Em dezembro passado, caiu o veto a reajustes imposto pelo socorro federal concedido durante a pandemia, o que também elevou a cobrança por medidas do tipo. “Há a pressão, e ela é natural. O Rio Grande do Sul ficou seis anos sem pagar os seus servidores em dia. Ano passado conseguimos até adiantar o 13.º salário. Com o Estado em melhores condições, a pressão por recomposição aumenta, e estamos trabalhando em um projeto que possa corrigir ao menos parte da inflação, mas abaixo dos dois dígitos, e para todo o funcionalismo”, disse o governador Eduardo Leite (PSDB).

Para fugir de reivindicações pontuais, a opção de muitos governadores tem sido adotar um porcentual único para todas as categorias, com ganho real ou apenas correção inflacionária. É o caso, por exemplo, de Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte, Amazonas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

No Espírito Santo, mesmo após a gestão Renato Casagrande (PSB) prometer reposição geral – o índice ainda não foi anunciado –, uma carta assinada por 15 coronéis da PM foi endereçada à chefia da Secretaria de Segurança Pública em dezembro com uma série de reivindicações, entre elas um plano de valorização salarial. Casagrande não cedeu à pressão e segue com a intenção de conceder o mesmo reajuste a todos os servidores.

Em Minas, Zema atrela a possibilidade de reposição salarial à aprovação, pelos deputados estaduais, do projeto de lei que trata sobre a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). “Com a adesão ao RRF, além de evitar retrocessos, o Estado terá condições de aplicar a recomposição da inflação nos salários de todas as categorias do funcionalismo público”, afirmou a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão.

No Paraná, o governo Ratinho Júnior (PSD) sancionou 3% de recomposição para todo o funcionalismo, porcentual que desagradou a todas as categorias e levou policiais militares de Londrina, Foz do Iguaçu e Francisco Beltrão a protestarem nas ruas. A entidade que os representa quer ao menos 35% de recomposição.

Igualmente pressionados, os governos de Santa Catarina e Rio de Janeiro anteciparamse ao período eleitoral e aprovaram ano passado projetos destinados a atender o funcionalismo. Bombeiro de formação, o governador Carlos Moisés (sem partido) ampliou o salário inicial de um agente das forças de segurança – militar ou civil – para R$ 6 mil. No geral, os índices de correção variam de 21% a 33%.

Já no Rio, a gestão Claudio Castro (PSC) autorizou valorização de 22% para todo o funcionalismo, incluindo policiais. A batalha travada pelos militares agora diz respeito a gratificações e correção do soldo, vetados pelo Executivo.

CARREIRA. Sem poder pagar recomposição ou aumento real, alguns Estados anunciam programas de promoção e progressão na carreira. É o caso do governo de Goiás, por exemplo, que pretende ampliar a folha de pagamento dos agentes de segurança em R$ 116,2 milhões neste ano.

A gestão Ronaldo Caiado (DEM) diz que promoverá oficiais e praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, assim como servidores da Administração Penitenciária, delegados e demais policiais civis.

Em São Paulo, além do projeto para concessão de aumento, o governo Doria ressalta que pagou às forças de segurança mais de R$ 1 bilhão em bônus por resultados desde 2019. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública também informou que já contratou 10,7 mil novos policiais e que investe constantemente na capacitação dos agentes, assim como nos equipamentos oferecidos para o trabalho. 

“Falta um ano para o fim do governo Doria. É hora de estabelecer um cronograma de recomposição que seja de fato cumprido para que possamos ter salários condizentes com os riscos e responsabilidades das funções que exercemos.”

Raquel Kobashi Gallinati

Presidente do sindicato dos Delegados de Polícia de SP