Valor Econômico, n. 5236, 27/04/2021. Política, p. A11

 

Promessa de Lira, reforma é vista como aceno ao mercado

Renan Truffi

Marcelo Ribeiro

27/04/2021

 

 

A promessa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de apresentar uma “versão inicial” de reforma tributária no mês de maio foi vista, dentro do Congresso Nacional, como um aceno ao mercado financeiro. Prestes a completar três meses no cargo, o líder do Centrão quer mostrar que os compromissos assumidos junto aos investidores estão de pé. O movimento também serve ao governo Jair Bolsonaro, que busca apoio de setores da economia para as eleições de 2022 e, por isso, depende de uma melhora no ambiente de negócios.

As declarações surpreenderam, inclusive, outras lideranças da cúpula do Congresso, que não esperavam essa ofensiva. Na prática, Lira recolocou a proposta de alteração tributária no horizonte político. O objetivo, dizem interlocutores, é mandar um sinal de que o plano liberal continua em voga, o que pode beneficiar principalmente o presidente da República. Desde o ano passado, Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, vêm enfrentando certa perda de credibilidade junto a atores econômicos e empresários, o que enfraquece o cenário para uma reeleição.

Além desse aceno, parlamentares do Centrão atribuem a iniciativa a uma contribuição do parlamentar alagoano para embaralhar o tabuleiro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia, que está prevista para ser instalada hoje. A avaliação é que o resgate de uma agenda que pode contribuir com a retomada da economia dividirá as atenções do mundo político e, consequentemente, da sociedade brasileira.

“Há o compromisso com a agenda de reformas, mas o momento talvez não seja dos melhores. Há quem acredite que o movimento serve para criar uma pauta paralela à da CPI”, reconheceu um interlocutor de Lira na Câmara.

Ainda que esteja entusiasmado com a retomada dos trabalhos, Lira já foi alertado sobre as dificuldades de tramitação. Alguns aliados apontam que “o calendário é fantasioso” e que o risco de se chegar ao fim do ano sem nenhuma das reformas aprovadas “não é pequeno”.

Diante do prazo apertado, o próprio presidente da Câmara também sugeriu um fatiamento da reforma tributária, para tentar conseguir uma aprovação mais rápida da medida. Ele indicou que conversará com integrantes do governo federal para levantar os pontos convergentes da PEC e, assim, destravar o cronograma da proposta.

Neste sentido, o deputado do PP reuniu-se ontem com Paulo Guedes na residência oficial da presidência da Câmara. Após o encontro, ele defendeu um “debate amplo” sobre o assunto, envolvendo governo, lideranças e senadores, e destacou que retomada da proposta é “um engajamento institucional”.

“Vamos marchar passo a passo para discutir essa reforma pelo que nos une, pelo que é consensual, de maneira organizada, com governo e líderes, com o relator, com o Senado, envolvendo todos os atores para que ao longo dos próximos meses possamos oferecer ao Brasil uma sequência de ações que vão dar tranquilidade fiscal, segurança jurídica e simplificação ao país”, disse Lira, em pronunciamento depois do encontro.

O líder do Centrão afirmou ainda que entregou a Guedes o mesmo ofício que endereçou ao relator da reforma tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). No documento, ele estabelece o prazo máximo para entrega do parecer: dia 3 de maio. Nesta data, o colega de partido terá que tornar público o parecer sobre a proposta de emenda constitucional.

Nos bastidores, interlocutores de Aguinaldo comemoraram a retomada dos esforços pelo avanço do texto, mas ponderaram que alguns caminhos defendidos por Lira, como o eventual fatiamento da proposta, podem ser considerados inconstitucionais. “Falar em fatiamento é uma loucura. Reforma tributária constitucional não tem como fatiar”, defendeu uma fonte próxima ao relator.