Valor Econômico, n. 5235, 26/04/2021. Política, p. A14

 

CPI da pandemia reativa a das ‘fake news’

Renan Truff

26/04/2021

 

 

Prevista para ser instalada manhã, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia deve servir para ressuscitar outro tema caro ao governo Jair Bolsonaro: a disseminação de notícias falsas e o funcionamento de milícias digitais alinhadas ao Palácio do Planalto. Isso porque os senadores avaliam aproveitar o momento para dar continuidade às investigações que foram iniciadas pela CPI mista das “fake news”, comissão que está praticamente enterrada desde o ano passado.

A articulação é para que o tema das notícias falsas seja uma das frentes de atuação do colegiado que começa a funcionar a partir de amanhã. Por conta disso, os parlamentares planejam apresentar um requerimento que formalize o compartilhamento de informações sigilosas obtidas pela comissão de inquérito anterior. Neste sentido, um dos focos deve ser a apuração de IPs (número de identificação de um computador na internet) ligados ao governo.

A explicação é que, na época da CPMI, os congressistas identificaram que um dos perfis responsáveis pela difusão de informações falsas era ligado a um assessor do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República. Como forma de não fugir de seu escopo de atuação, no entanto, a CPI da pandemia vai propor limitar essa frente de investigações às “fake news” que tiverem relação com a crise de saúde pública.

Desta forma, os senadores devem analisar, por exemplo, conteúdos publicados em sites e redes sociais que desestimularam a vacinação ou até encorajaram tratamentos sem eficácia comprovada. O assunto é árduo para o Executivo, já que diversos blogs e perfis aliados ao Planalto participaram de campanhas pelo uso da hidroxicloroquina, medicação que é recomendada, na verdade, para o tratamento de doenças como artrite e lúpus.

Uma das consequências possíveis desse trabalho é a retomada de propostas que foram sugeridas no projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que buscava coibir a propagação de notícias falsas e foi aprovado pelos senadores em junho do ano passado.

Segundo uma fonte, os parlamentares já projetam incluir, num eventual parecer final da CPI, a possibilidade de que plataformas como Twitter e Instagram fiquem obrigadas a fazer um “cadastro prévio” dos usuários, com dados como CPF e número de telefone, para abrir uma conta em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas.

O assunto é controverso e não avançou desde que chegou à Câmara dos Deputados em julho de 2020. Entre outros itens, o projeto prevê que provedores de redes sociais e de serviços de mensagens deverão proibir contas falsas, exceto em caso de conteúdo humorístico. As plataformas também deverão proibir robôs, e viabilizar meios de identificar esses perfis.

A discussão sobre essa frente de atuação da CPI da pandemia surgiu como um contraponto aos ataques, organizados por bolsonaristas nos últimos dias, contra os integrantes da comissão de inquérito. Desde a semana passada, vários senadores passaram a relatar que estavam recebendo uma “enxurrada” de mensagens com discursos de ódio nas redes sociais. Com essa pressão, partidários do presidente da República tentavam reverter o acordo que deve eleger o senador Omar Aziz (PSD-AM) como presidente e Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da CPI. Apesar disso, nos bastidores, Bolsonaro pediu que o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), avisasse Renan que o Planalto não iria trabalhar contra sua indicação para a relatoria do colegiado.

O movimento dúbio - de fomentar ataques na web e, ao mesmo tempo, tentar costurar uma conciliação no Congresso - é visto dentro do Senado como uma estratégia do Executivo para desarmar seus adversários. Os parlamentares, no entanto, dizem estar vacinados contra esse tipo de expediente, que já teria sido utilizado pela família Bolsonaro em outros momentos do mandato presidencial