Valor Econômico, n. 5234, 23/04/2021. Política, p. A8

 

Aumenta preocupação no TCU

Fabio Graner

Murillo Camarotto

Lu Aiko Otta

23/04/2021

 

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) vê um processo de desmoralização da meta fiscal com a decisão do Congresso Nacional, em acordo com o governo, de retirar da contabilidade do resultado primário as despesas ligadas à pandemia, como o BEm (redução de jornada e salários) e o Pronampe (linha de crédito para micro e pequenas empresas) - que já começa a ter discussões para dobrar de valor, reforçando as preocupações fiscais.

Diante de uma lei aprovada pelo Congresso, a leitura na Corte é que não haveria muito a se fazer além de alertar sobre os riscos de uma nova rodada de desmoralização da meta fiscal primária, como avaliam que ocorreu a partir de 2009, na gestão do PT, quando essas críticas também foram feitas.

A aprovação do PLN 2, que alterou a LDO deste ano e já foi sancionado, não deixou limites para os gastos extraordinários nessas três áreas. Isso nunca ocorreu (em geral a possibilidade de descontos no PAC/PPI/Minha Casa, Minha Vida, mecanismo similar que era usado na era petista) tinha um valor máximo de desconto na meta - a maior parte do tempo era de 0,5% do PIB e em vários anos não foi utilizado.

Sem uma limitação concreta, fato que preocupou muitos analistas, a equipe econômica já se depara com discussões para gastar mais nessas exceções criadas pelo Congresso.

A discussão mais quente no momento se dá no âmbito do Pronampe. Na segunda-feira, a equipe econômica anunciou a intenção de limitar esse programa a R$ 5 bilhões, mas no Congresso já se discute dobrar o valor, quando a medida provisória for enviada.

A proposta foi confirmada ao Valor pelo líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB), que é presidente da frente parlamentar de comércio, serviços e empreendedorismo. Para ele, há espaço para isso. “É importante evitar um cenário de terra arrasada na economia. Empresas que fecham as portas são pais e mães de família que passam a entrar na fila do desemprego”, disse. “A gente precisa ter algo factível para os próximos quatro meses, senão o custo para o governo vai ser muito maior que os R$ 5 bilhões a mais”, acrescentou.

Dentro do governo, porém, há divergências sobre o tema. A ala mais fiscalista, ligada à secretaria especial de Fazenda, comandada por Waldery Rodrigues, quer manter a proposta original do Pronampe, temendo passar uma mensagem de descontrole de gastos, especialmente pela falta de limitação definida na mudança da LDO deste ano.

De outro lado, o reforço de caixa do programa teria apoio do secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, que também estaria dando respaldo à proposta de tornar o Pronampe permanente, conforme projeto do senador Jorginho Mello (PL-SC). Procurado, Costa respondeu que “nunca se manifestou” sobre essa hipótese de aumento do Pronampe, mas fontes ouvidas confirmam a articulação.

No Ministério da Economia, até a visão sobre o programa não é unânime. Parte dos técnicos gosta do desenho, entendendo que o modelo foi bem sucedido no combate à crise.

Outra ala, contudo, enxerga que a medida interessa mais aos bancos do que às próprias empresas, porque a modelagem coloca muito mais risco para o Tesouro Nacional (que aporta dinheiro em um fundo garantidor) do que nas instituições financeiras, que nas últimas versões tinham que arcar com 15% de eventual inadimplência (percentual que na nova versão deve se elevar), o que seria pouco incentivo para os bancos fazerem uma melhor análise de risco dos tomadores de crédito.

Além disso, esse grupo mais preocupado com o fiscal compartilha das preocupações que são levantadas no âmbito do TCU e querem ao máximo evitar que os gastos desandem a partir da falta de limites prevista no PLN 2. O objetivo é mostrar que, mesmo com alguns gastos fora das regras fiscais, o resultado primário ainda pode ser uma âncora de sustentabilidade da dívida pública, juntamente com o teto de gastos.