O Globo, n. 32047, 04/05/2021, Sociedade, p. 10

 

A conta não fecha

Bruno Alfano

04/05/2021

 

 

Com desafios únicos, MEC tem para investir apenas 38% da verba de 2018

O orçamento disponível para gastos discricionários do Ministério da Educação (MEC) é, em 2021, menos da metade do que foi em 2018, u mano antes de Jair Bolsonaro( sem partido) assumira Presidência. Naquele ano, a pasta executou R$ 23,2 bi e, agora, tem R$ 8,9 bi, enquanto precisa resolver problemas urgentes por conta da pandemia de Covid-19, entre eles o de conectar alunos no ensino remoto e garantira volta segura às aulas presenciais. Os valores são da Instituição Fiscal Independente, um órgão de análise das contas públicas ligado ao Senado.

Os gastos discricionários são aqueles que o ministério pode decidir onde serão executados —entre eles estão o Programa Nacional de Livros Didáticos na educação básica, bolsas para alunos pobres na graduação e investimento e manutenção das instituições federais de ensino, como as universidades. Eles são diferentes dos obrigatórios, a maior parte do orçamento, gastos que não podem ser cortados. Exemplos são os salários dos servidores, o Fundeb, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, transporte escolar e outros.

—É com averba discricionária que se conduz apolítica educacional, pois o MEC pode repassar dinheiro a estados e municípios já definindo de que modo deve ser gasto — afirma Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política da ONG Todos Pela Educação.

DISPUTA PELO ORÇAMENTO

O orçamento do ano fiscal de 2021 foi sancionado por Bolsonaro há 11 dias. Na disputa por verbas, o Congresso aprovou um texto que precisou de vetos( valores definitivamente perdidos) e bloqueios (que podem ser liberados a depender do ritmo da economia este ano) da Presidência. O MEC foi a pasta que sofreu a segunda maior perda (a primeira foi ado Desenvolvimento Regional ), com R $2,7 bilhões de bloqueios e R $1,2 bilhão de vetos — destes, R$ 775 milhões (ou 65%) foram na Educação Básica. Questionada pelo GLOBO, a pasta não especificou quais despesas serão bloqueadas. Se todo o montante bloqueado for liberado até o fim do ano, o orçamento chega a R $11,6 bilhões.

“Foram realizadas análises estimadas das despesas que possuem execução mais significativa apenas no 2º semestre, afim de reduzir os impactos da execução dos programas no 1º semestre”, informou o MEC.

Em 2020, a pasta foi criticada justamente pela omissão durante a crise educacional causada pelas escolas fechadas e a necessidade de aulas on-line na pandemia. Relatório do Todos Pela Educação mostra que, naquele ano, o gasto em Educação Básica foi o menor da década.

Na ação “Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica”, na qual os valores poderiam ser destinados a incluir digitalmente escolas e alunos, o valor gasto em 2020 foi 70% menor do que o do ano anterior — de R$ 1,8 bi para R$ 574 milhões.

Sem ajuda do MEC, em 2020 nenhum estado comprou equipamentos digitais para os alunos, e mais da metade não garantiu internet.

Estudantes como Deborah Laurentino, de 18 anos, se formaram no ensino médio de forma improvisada. Quando  morava em Guaratiba, Zona Oeste do Rio, a jovem pegava o wi-fi do vizinho, cujo sinal só chegava a uma parte da casa dela. A janela da cozinha virou a sala de aula.

—Só lá dava para ver as videoaulas. Foi muito difícil me preparar para o Enem e acabei não passando em nada —conta a estudante.

Ela mora agora em Engenheiro Pedreira, na Baixada Fluminense. Lá não tem vizinho com internet liberada. Enquanto procura emprego, estuda para o próximo Enem com o chip que comprou.

—Isso quando tem sol. Pois quando o tempo fecha, fico sem internet —conta.

PERDA DE ALUNO E PESQUISA

O ensino superior público também sofre com aquedado orçamento das despesas discricionárias. As universidades federais terão corte de 20% em relação ao ano anterior, voltando ao patamar de 2009. Mas o número de matrículas cresceu de 839 mil, naquele ano, para mais de 1,3 milhão em 2020.

Aquedado orçamento expulsa os que conquistaram a vaga, mas não conseguem se manter. Thalison Moreira, 20 anos, e Willian Santos, 22, são amigos de infância. Alunos da Universidade Federal de Goiás, eles perderam suas bolsas de permanência, mecanismo cria dopara combatera evasão de alunos de baixa renda. Thalison, que cursa Biomedicina, conseguiu outra bolsa, de pesquisa. Para o amigo não largar os estudos, divide o valor com ele.

—Sem bolsa não sei se concluo o curso. Estou procurando emprego e, se conseguir, terei que trancar algumas matérias —diz Willian, no 3º período de Química.

Pesquisas também são afetadas pela redução do orçamento. Na Universidade de Brasília (UnB), o Projeto Égide desenvolve, com recursos vindos majoritariamente de uma vaquinha on-line, uma máscara que filtra e inativa partículas da Covid-19. Porém, precisa de R$ 500 mil para o último ensaio clínico.

— A abertura de um canal virtual de doações foi fundamental para o projeto chegar até aqui — diz Graziella Joanitti, uma das responsáveis pelo estudo.

O MEC não respondeu se o orçamento aprovado para gastos discricionários será suficiente para os desafios de 2021. Para as universidades e institutos federais, informou que o bloqueio foi de 13,8% e reflete o percentual aplicado sobre o total de despesas discricionárias, como aconteceu em 2019.