O Estado de São Paulo, n. 46827, 01/01/2022. Economia, p. D4

Cenário de desafios no caminho da economia brasileira
Luciana Dyniewicz
01/01/2022



Ambiente ruim, com crescimento próximo de zero e baixa geração de empregos, deve ser agravado por turbulências das eleições presidenciais
 
A visão dos economistas em relação ao cenário de 2022 é praticamente unânime: será um ano desafiador. Um misto de estagnação na atividade, instabilidade financeira decorrente da incerteza política e uma desigualdade exacerbada pela pandemia deverá resumir a economia brasileira neste ano. Soma-se a isso um cenário internacional desfavorável a mercados emergentes, com bancos centrais de países ricos retirando estímulos monetários, elevando juros e, assim, atraindo dinheiro dos investidores – em detrimento de países como o Brasil.

Isso significa que praticamente nenhum brasileiro, seja empresário, investidor, formulador de política econômica ou consumidor, terá uma vida fácil em 2022. A exceção deve vir de um setor que, ao longo do tempo, parece ter se descolado da realidade do Brasil: o agronegócio. Com uma supersafra no horizonte, o segmento deve ver seu PIB avançar 5%, segundo o Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE).

"A volatilidade financeira será superior à de anos normais de eleição. Se fosse só a questão eleitoral, até estaria tudo bem, estamos acostumados. O problema é que, além disso, temos uma economia que cresce pouco e um contexto global em mudança", diz o economistachefe do BV (antigo Banco Votorantim), Roberto Padovani.

O panorama geral deverá resultar em um PIB de 0,4% no ano, segundo estimativas de bancos e consultorias coletadas pelo Banco Central e publicadas no último dia 27 no Relatório Focus.

Na visão de José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, desde o fim de 2014 não se via um cenário tão negativo para a economia. O economista projeta um PIB ao redor de zero para 2022 e destaca que, nos últimos três meses, quase todos os indicadores de atividade apresentaram resultados inferiores ao que os analistas esperavam.

A indústria, por exemplo, encolheu 0,6% em outubro de 2021, na comparação com setembro, quando analistas financeiros ouvidos pelo Estadão/broadcast esperavam expansão de 0,7%. Em cinco meses de recuos consecutivos, o setor acumulou perda de 3,7%. No comércio varejista, a queda em outubro – a terceira seguida – foi de 0,1%, quando se projetava incremento de 0,6%, e, nos serviços, a retração ficou em 1,2%, enquanto as previsões variavam de redução de 1,1% a alta de 1,4%.

"Há muito tempo não se vê uma consistência assim nos indicadores. Não adianta o ministro (Paulo Guedes) ficar dizendo que as projeções (de PIB) são um pessimismo que não vai se verificar e que, em 2020, todo mundo errou (as estimativas de recessão, que beiravam uma retração de 10%)", diz Mendonça de Barros. "O fato é que vamos para o quarto ano de sem crescimento. Estamos andando de lado."

A maior responsável pela estagnação em 2022 será a taxa básica de juros (a Selic), que passou de 2% no começo do ano passado para 9,25% em dezembro – e deverá terminar 2022 em 11,5%, segundo o Relatório Focus. Como o impacto de uma mudança na política monetária na economia costuma levar de dois a três trimestres para ser verificado, são esperados para este ano os maiores efeitos desse aperto provocado pelo Banco Central para segurar a inflação.

A alta da Selic deve travar a concessão de crédito, prejudicando investimento e consumo e retirando o gás da economia. A preocupação dos especialistas é elevada porque essa mudança da política do BC chega em um momento em que famílias estão devendo e pequenas empresas trabalham com pouco caixa devido à crise provocada pela pandemia.

ALAVANCA. Além do agronegócio, os únicos propulsores da atividade em 2022 – mas em menor escala – deverão ser os serviços, os serviços públicos e a indústria extrativa (petróleo e mineração, sobretudo). Todas são atividades consideradas "exógenas", porque não dependem das políticas monetária e fiscal, ou não dependerão no atual cenário.

No caso dos serviços prestados às famílias, principalmente nas áreas de transporte, lazer e educação, a expectativa é que eles cresçam com a reabertura completa da economia, dado que em 2021 essa normalização das atividades só foi verificada no segundo semestre.

Dados do IBGE indicam que os serviços ainda estavam 3% abaixo do patamar pré-pandemia no terceiro trimestre de 2021. Há, portanto, espaço para crescerem, ainda que limitados pela alta da inflação. Esse cenário traçado pelos economistas, porém, não considera que novas restrições de mobilidade sejam adotadas no País por causa da variante Ômicron.

Nos serviços públicos, deve haver avanço nas áreas de saúde e educação. Procedimentos como cirurgias eletivas que não foram realizadas por conta da pandemia e um maior número de matrículas nas escolas vão ajudar a movimentar o segmento.

Já as obras públicas, que costumam ser turbinadas em anos eleitorais, e as concessões não devem ter força suficiente para mudar o quadro de estagnação. A análise é de que não haverá tempo suficiente para que elas sejam contratadas e para instalar canteiros de obras ainda neste ano.

"Há uma retomada da agenda de infraestrutura em curso, mas esperamos que os efeitos iniciais ocorram no fim de 2022 e que o impacto maior seja em 2023 e 2024", diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.

Além de não serem suficientes para causar um impacto positivo na atividade, as eleições vão aumentar a instabilidade no mercado financeiro e segurar projetos de investimento. "Podemos ter um quadro melhor se houver um debate econômico centralizado nas fragilidades da economia. Mas, se houver uma campanha agressiva e polarizada, pode haver um aumento das incertezas e da instabilidade. Isso vai repercutir nos preços de ativos e rebater sobre a atividade real", diz a economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi.

Temas como o reajuste aos servidores e as isenções no Imposto de Renda, que podem alterar as contas públicas, estão entre os que devem ganhar destaque e intensificar – ou não – a instabilidade no mercado financeiro. Na economia real, a tendência é de que a incerteza leve empresas e consumidores a postergar suas decisões de investimento e consumo. Esse panorama deve fazer o investimento recuar. Segundo estimativa da Tendências, a formação bruta do capital fixo (forma de medir os investimentos) deve cair 3% em 2022, após subir 15% em 2021.

Com queda no investimento e expansão apenas em atividades que não estão entre as grandes promotoras de empregos, o desemprego cairá lentamente – uma melhora pode ser registrada apenas no mercado informal.

"O agro, a indústria extrativa e o setor público não vão gerar emprego de forma importante. O agro pode salvar a economia de um município, mas não a de um país. Quem contrata é o serviço e a construção. Assim, vamos ver aquele boom na informalidade", afirma a economista Silvia Matos, do Ibre. "Com essa confusão que está a macroeconomia, o investimento fica muito aquém (do necessário para criar vagas de qualidade)."

Há expectativa de redução do desemprego em 2022, mas a recuperação deve vir do mercado informal

INTERNACIONAL. Não fosse suficiente a deterioração geral da economia doméstica, o panorama externo também não deve favorecer o . Para Padovani, do BV, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e o impacto desse movimento nos mercados emergentes serão definidores do cenário econômico brasileiro. "A retirada de estímulo monetá

rio nos EUA, no Japão e na União Europeia tende a não ser neutra para emergentes. Estaremos diante de um quadro que gera instabilidade financeira."

O aperto monetário internacional, porém, pode reduzir a demanda por produtos como semicondutores, cuja escassez travou a indústria automobilística nos últimos dois anos. É esperada, assim, uma normalização da cadeia de suprimentos entre o segundo semestre deste ano e o primeiro de 2023.

"Estou convencido de que o problema das cadeias globais é excesso de demanda, em particular na de semicondutores. Quando se analisa a produção desses itens, está acima do pré-pandemia", diz Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco. Esse aumento na demanda, segundo ele, foi uma resposta aos estímulos econômicos implementados em todo o mundo na tentativa de se evitar uma recessão decorrente da pandemia. Com a alta dos juros, portanto, a demanda deve desacelerar, e o problema começar a se resolver.

O economista do Bradesco destaca ainda que, domesticamente, qualquer reforma que começasse a ser tocada nos primeiros do ano – fosse administrativa, de abertura comercial, na área tecnológica ou ambiental – poderia mudar o humor dos investidores em relação ao , reduzindo os riscos de 2022 e aumentando as oportunidades. Na prática, porém, diz, isso é muito improvável de acontecer.