O Estado de São Paulo, n. 46494, 02/02/2021. Política, p. A14

Lewandowski retira sigilo de mensagens atribuídas a Moro
02/02/2021



Por decisão do ministro do Supremo, defesa de Lula obteve acesso às conversas apreendidas na Operação Spoofing

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, levantou ontem o sigilo da ação na qual permitiu à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso à íntegra do material apreendido na Operação Spoofing – investigação que mirou grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades como o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato.

A defesa de Lula pretende fazer um "pente-fino" nas mensagens atribuídas ao ex-juiz da Lava Jato para tentar reforçar a tese que de Moro agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá (SP). Em dezembro, Lewandowski determinou que a 10.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal compartilhasse com Lula conversas "que lhe digam respeito".

Numa das mensagens que vieram a público agora, o então coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, diz ao então juiz Sérgio Moro, em 14 de dezembro de 2016, que a denúncia contra o ex-presidente Lula está sendo "protocolada em breve". Moro responde: "Um bom dia afinal".

Em 3 de fevereiro de 2017, Moro afirma a Deltan que nas ações contra Lula e o ex-ministro Antonio Palocci "tem dezenas de testemunhas arroladas pelas defesas de executivos da Odebrecht". "Depois da homologação isso não parece fazer mais sentido, salvo se os depoimentos forem para confirmar os crimes. Isso está trancando minha pauta. Podem ver com as defesas se não podem desistir?", diz. "Resolvemos, sim. Falaremos com os advogados para desistirem", responde Deltan.

Indicação. O então juiz também sugere uma fonte para os procuradores conversarem sobre investigações envolvendo um filho do ex-presidente. Em 7 de dezembro de 2015, Moro diz a Deltan: "Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria", escreve.

Seguindo a orientação de Moro, Deltan afirma ter procurado a fonte, que teria se recusado a colaborar. Sugere então forjar uma denúncia anônima para justificar a intimação. "Liguei e ele arriou. Disse que não tem nada a falar. Quando dei uma pressionada, desligou na minha cara. Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa."

Em 16 de março de 2016, a pedido do procurador, Moro levanta o sigilo de relatórios da Polícia Federal envolvendo bens de Lula. Na época, a então presidente Dilma Rousseff combinava

a nomeação do petista como ministro da Casa Civil. "Temos receio da nomeação de Lula sair na segunda e não podermos mais levantar o sigilo", escreve Deltan. "Já despachei para levantar. Mas não vou liberar chave por aqui para não me expor. Fica a responsabilidade de vocês", responde Moro.

O julgamento no STF sobre a suspeição de Moro foi interrompido em dezembro de 2018 por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Gilmar Mendes, depois que dois colegas já tinham votado contra as pretensões de Lula – o relator da Lava Jato, Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia. Faltam os votos de Gilmar, Lewandowski e Nunes Marques. As mensagens obtidas pelos hackers foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil meses após o início do julgamento.

'Interações'. Moro reafirmou que "interações entre juízes, procuradores e advogados são comuns" e não constituem ilícitos. Disse ainda não reconhecer a autenticidade das conversas. "As referidas mensagens teriam sido obtidas por meios criminosos, sendo, portanto, de se lamentar a sua utilização para qualquer propósito, ignorando a origem ilícita."

Ainda segundo o ex-juiz, todos os processos foram decididos "com imparcialidade", "com a grande maioria das condenações mantidas pelos Tribunais Superiores". "Nenhuma das supostas mensagens retrata fraude processual ou conluio."

Integrantes e ex-membros da força-tarefa renovaram ontem o pedido para Lewandowski anular o material. "Tal material pode ter sido objeto de múltiplas adulterações, é imprestável e constitui um nada jurídico, de modo que nenhuma perícia terá o condão de transformar a sua natureza", diz o pedido. Deltan é um dos que assinam o documento. Procurados, os advogados que representam os procuradores não se manifestaram.

TRECHOS

• Andrade Gutierrez

Moro – "Como está a situação do acordo do pessoal da AG (Andrade Gutierrez)?"

Deltan – "Até onde sei, aguarda assinatura pelo PGR. Se precisar que confirme com absoluta segurança, vou atrás, mas até alguns dias era isso."

Moro – "Não tem necessidade. Achei que acordo envolvia soltura antes do recesso."

Deltan – "Checarei isso."

Moro – Não que eu esteja preocupado. Por mim podem ficar mais tempo."

• Manifestação contra prisão

Moro – "Preciso manifestação do MP nº 504615954. Simples."

Deltan – "Providenciaremos" (...)

Moro – "Preciso de manifestação do MPF quanto a testemunhas no 501560857 com certa urgência."

Deltan – "Vai hoje nossa manifestação."

• Filho do ex-presidente

Moro – "Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria."

Deltan – "Liguei e ele arriou. Disse que não tem nada a falar etc... quando dei uma pressionada, desligou na minha cara... Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa."