Valor Econômico, n. 5228, 14/04/2021. Brasil, p. A2

 

Ativistas pedem na Justiça anulação de compromisso ambiental brasileiro
Daniela Chiaretti
14/04/2021

 

 

 

Seis jovens ativistas entraram com uma ação judicial pedindo que o compromisso climático brasileiro, de dezembro, seja anulado. Alegam que a atualização da meta anunciada pelo governo Bolsonaro configura um retrocesso em relação ao Acordo de Paris, o que viola o tratado internacional. A iniciativa, apoiada por oito ex-ministros do Meio Ambiente, é inédita no Brasil.

A ação popular com pedido de liminar, protocolada ontem na Justiça de São Paulo, foi estruturada por um grupo de seis advogados que trabalha com questões ambientais e deram suporte aos jovens integrantes da ONG Engajamundo e do movimento Fridays For Future Brasil.

A iniciativa quer que o governo federal, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e o ex-ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, sejam responsabilizados pelo o que dizem ser uma “pedalada climática” feita no momento da divulgação da nova meta brasileira. Elevou as emissões de gases-estufa do país em 400 milhões de toneladas em 2030 em relação ao que havia sido estimado no compromisso anterior. O Acordo de Paris estipula que os países têm que avançar a cada novo compromisso.

“O governo tem portas fechadas para a sociedade civil, não escuta as organizações e os movimentos. A decisão indica uma regressão”, diz Marcelo Rocha, 23 anos, do Fridays for Future Brasil, movimento climático iniciado em 2018 pela sueca Greta Thunberg. “Nas periferias, sabemos bem o que é mudança climática. Sentimos diariamente, mas não sabemos dar nome às coisas. Sofremos com lixões e com doenças respiratórias”, diz Rocha. “Queremos que o governo ajuste os percentuais”.

O eixo central da ação é a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o compromisso climático que os países apresentam a cada cinco anos. A primeira NDC brasileira é de 2015. O Brasil se comprometia com um corte de 37% em 2025 em relação a 2005 e indicava outra, de 43%, para 2030. Em dezembro, o governo Bolsonaro atualizou a meta, confirmando o corte indicativo para 2030, de 43%. O que mudou, contudo, foi a linha de base, com a atualização do inventário de emissões do país. Nesta operação, segundo os ambientalistas, o país emitirá mais em 2030 do que antes.

“É uma flagrante violação do Acordo de Paris, que só permite aumento no nível de ambição das NDCs e não o contrário”, diz a jovem indígena Txai Bandeira Suruí, do Engajamundo, organização com 2.600 jovens inscritos e 250 voluntários. Estudante de Direito, Txai vive em Rondônia e trabalha na organização indigenista Kanindé. “Sentimos a mudança do clima nas nossas roças, com chuvas que deveriam chegar antes”, diz.

Os oito ex-ministros do Meio Ambiente que assinam carta de apoio à ação - Rubens Ricupero, Gustavo Krause, Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira e Edson Duarte - lembram que o Acordo de Paris “diz claramente que os países devem estabelecer metas sempre progressivas”.

Marcelo Rocha diz que “a pedalada climática feita pelo governo não ameaça apenas os jovens brasileiros, mas todo o planeta”.

A ação é bem direta. Menciona que o Brasil é o sexto emissor de gases-estufa do mundo, respondendo por 3,2% do total. As emissões per capita brasileiras são maiores que a média mundial. A mudança do uso da terra, que soma o desmatamento na Amazônia ao de outros biomas, responde por 44% das emissões brutas do Brasil em 2019, percentual que tende a aumentar com a alta do desmatamento registrada em 2020.

“O Brasil negociou o Acordo de Paris, depois ratificou e promulgou. É uma lei ordinária brasileira”, diz o advogado Paulo Busse, um dos autores da ação. “Buscamos a correção de um ato que pode se tornar lesivo no futuro”.

“Este cálculo, um artifício contábil, fere o Acordo de Paris e a legislação brasileira”, diz a advogada Suely Araújo, especialista senior em políticas públicas do Observatório do Clima, entidade que fez a nota técnica que serviu de apoio aos jovens na elaboração da ação.