Correio Braziliense, n. 21.156, 27/04/2021, Cidades, p. 13

 

Riscos com cepas elevam chances de nova onda
Cibele Moreira
Caroline Cintra
27/04/2021

 

 

 

Nos últimos dias, o Distrito Federal apresentou tendência de queda em relação ao número de casos e mortes provocadas pela covid-19. Essa realidade, segundo especialistas, era esperada pelo fato de a pandemia seguir comportamento semelhante ao verificado no ano passado, entre julho e agosto, após o pico de registros. Pesquisadores de diferentes áreas da ciência consultados pelo Correio avaliam que a situação de combate ao novo coronavírus no DF está longe do recomendado pelas autoridades internacionais de saúde. Ontem, por exemplo, a média móvel de infecções e óbitos caiu mais uma vez. Ao mesmo tempo, porém, verificou-se que a internação de pessoas de 15 a 29 anos subiu 62,5% (leia na página 14).

Professor do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), Tarcísio Marciano da Rocha destaca falhas nesse trabalho por todo o país. Ele defende que, desde o início, deveria haver um direcionamento central, para guiar o trabalho dos governantes (leia abaixo). Já Roberto José Bittencourt, doutor em saúde pública e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), associa os riscos da terceira onda ao surgimento de novas cepas, com maior poder de contaminação.

Para Roberto José, o país e o DF caminham para um novo pico em breve. "A segunda onda surgiu a partir da variante de Manaus, a P1. O estado enfrentava uma crise com pacientes graves e houve uma distribuição dessas pessoas para o restante do Brasil, o que ocasionou uma infecção em massa. Essa lógica pode se repetir, com a mutação do vírus fazendo casos se elevarem", avalia. "A vacinação está longe de atingir o ideal para abortar a terceira onda. Seria necessário imunizar 70% da população para estarmos em uma margem de segurança, mas estamos longe disso", acrescenta.

O especialista acrescenta que não houve adoção de medidas eficazes para conter o avanço da segunda onda e que o transporte coletivo se manteve com um dos principais meios de transmissão da covid-19, devido à aglomeração diária. "O fechamento de alguns espaços com a (manutenção da) circulação em coletivos lotados não adianta", pontua. Bittencourt lembra que uma das ações mais importantes no sentido de impedir a transmissão comunitária é a testagem massiva: "(Com isso,) identificam-se os focos de contaminação e, em seguida, isolam-se por 14 dias pessoas infectadas e quem teve contato com elas".

O apoio econômico às famílias que precisam desse suporte para se manter em casa deve ser garantido pelo governo, alerta o professor. Quanto à testagem, Roberto José afirma que o tipo mais indicado é o RT-PCR, que permite a coleta de amostras das vias aéreas dos testados. Outra metodologia apontada que pode somar na prevenção da covid-19 é a vigilância genômica. Com isso, é possível identificar e acompanhar as variantes com maior potencial de infecção.

Contenção

Uma análise do pesquisador Breno Adaid, vinculado ao Centro Universitário Iesb e à UnB, confirma que o Distrito Federal passa por um período de queda em relação aos casos da doença. Os números revelam que o DF caminha para uma fase de estabilização. Contudo, o platô ocorre em um patamar elevado. "Se começar a ter mais aglomeração e se a população relaxar nas medidas de prevenção, teremos um novo cenário de crescimento", destaca. "As pessoas têm tomado mais cuidado, mesmo com uma rotina quase normal em relação ao vivido antes das restrições. Se a população não relaxar, é possível viver com quase tudo liberado e sem a pressão hospitalar", acredita o pesquisador.

Por outro lado, o matemático Paulo Angelo Alves Resende — um dos coordenadores dos trabalhos no Observatório de Predição e Acompanhamento da Epidemia Covid-19 da UnB (PrEpidemia) no ano passado — entende que, apesar do momento de redução nas médias móveis, não é possível prever um cenário de estabilização na capital federal. "Desde o início da pandemia, não tivemos um cenário de platô com. O que ocorreu foi uma curva achatada no pico. E, se olharmos em nível nacional, o Brasil teve um efeito de platô que indicou término de uma onda em uma cidade e início dela em outra", compara.
Para o pesquisador, a tendência é de diminuição lenta dos casos e mortes: "Não temos uma pesquisa em curso este ano para avaliar de forma mais concreta, mas o cenário do DF indica que atingimos o pico (da onda atual) e que estamos em queda (na quantidade de registros). Só que a velocidade dessa diminuição depende do comportamento das pessoas e de fatores como vacinação, taxa de isolamento social e demais medidas de contenção", comenta.

O Correio questionou a Secretaria de Saúde (SES-DF) sobre a viabilidade de monitorar o surgimento de casos com a testagem em massa, segundo orientações dos pesquisadores. No entanto, a pasta não se posicionou. O órgão informou apenas como atua no sentido de evitar uma terceira onda por meio da imunização: "A ampliação da campanha de vacinação contra a covid-19 depende do envio de mais doses pelo Ministério da Saúde. A pasta seguirá empenhando esforços em promover uma vacinação ampla e o mais célere possível", respondeu.