Valor Econômico, n. 5227, 13/04/2021, Opinião, p. A10

 

Geopolítica da sustentabilidade e as negociações Brasil-EUA
Izabella Teixeira
Ana Toni
13/04/2021

 

 

 

Em 2021, a celebração do Dia da Terra acontecerá num ambiente de novas expectativas políticas. A Cúpula, chamada pelo presidente Joe Biden e com a presença dos chefes de Estado e de líderes das principais economias do mundo, orienta-se por um novo momento global de enfrentamento à crise das mudanças do clima.

A senha para ser parte dessa “elite climática” é composta pelos “algoritmos políticos” da contemporaneidade: ambição de mitigação de emissões de gases de efeito estufa; transparência nos compromissos no âmbito do Acordo de Paris; eficiência na governança climática e socioambiental; transição justa e empregos verdes; mercados sólidos (compulsórios) de carbono; proteção da natureza e caminhos definitivos às novas economias verdes.

A senha para o diálogo envolve o fim do desmatamento ilegal e a garantia dos direitos dos povos indígenas
A combinação e o peso dados a cada um desses algoritmos são determinantes para o protagonismo político e econômico de governos e de sociedades. O agir internacionalmente não se limita à conexão de temas e à emergência de novas narrativas. Exige capacidade de entrega, credibilidade e relevância, além de liderança orientada por resultados e visão geopolítica.

O tema ambiental tornou-se um pilar central na geopolítica internacional do mundo contemporâneo e tem, nas agendas climática e de biodiversidade, os seus principais alicerces. Na iminente urgência desta agenda, não há espaços para o negacionismo ou obscurantismo climático, nem tão pouco para argumentos falaciosos em contradição com a ciência ou com a democracia. Estas agendas requerem centralidade, pragmatismo e racionalidade por parte dos interlocutores/negociadores, além de civilidade política entre os líderes das nações.

O gesto do presidente Biden de convidar o Brasil para participar da Cúpula deve ser visto, inicialmente, como um reconhecimento das sólidas e históricas relações bilaterais que unem os dois países. Também, deve ser percebido como uma oportunidade de criação de espaço político de diálogo para uma necessária e urgente mobilização com vistas a reverter os retrocessos observados nas políticas socioambientais e climática brasileiras nos últimos dois anos. O Brasil foi um dos arquitetos do Acordo de Paris não somente pela excelência da sua diplomacia e da sua ciência. Mas, também, por ter oferecido ao mundo, por imperativo moral e econômico, o mais expressivo esforço de mitigação climática: a redução não episódica do desmatamento na Amazônia.

Então, o que se esperar do Brasil? Como lidar com os limites tênues que encerram o exercício diplomático em torno dos interesses globais e os temas domésticos? Como lidar com os interesses das sociedades americana e brasileira com a crise de imagem e de credibilidade que revela o Brasil de hoje ao mundo? Como construir este diálogo amplo se limitando a conversas com interlocutores específicos que estão longe de representarem a envergadura política e a diversidade deste debate no Brasil?

Por relatos da imprensa, sabe-se que as conversas bilaterais progridem entre os interlocutores oficiais. Mas como construir confiança mútua sem que as sociedades envolvidas conheçam previamente os termos e as bases do diálogo bilateral? É sempre bom lembrar que toda negociação internacional requer preparação adequada para o passo que se pretende dar, confiança mútua e visão compartilhada de problemas e de soluções.

Cooperar internacionalmente não se limita à alocação de recursos financeiros ou de investimentos que possam beneficiar alguns poucos. Ou tão pouco ao não bloqueio de negociações internacionais de interesse comum. No enfrentamento à crise climática, é essencial ser assertivo nos compromissos, afirmativo e transparente quanto aos objetivos e resultados pactuados e convergente nos interesses bilaterais comuns com co-benefícios globais. Só assim, o mundo voltará a unir-se ao Brasil!

A segurança climática global é fortemente influenciada pela existência das florestas tropicais no mundo nas bacias Amazônica, do Congo e do Mekong. Portanto, para os países amazônicos, particularmente o Brasil, a senha de entrada em qualquer diálogo geopolítico nesta área envolve o fim do desmatamento ilegal e a garantia dos direitos constitucionais dos povos tradicionais e indígenas. É muito mais do que conter os retrocessos ou vender soluções antigas para problemas arquitetados e ressuscitados. O urgente realinhamento com a contemporaneidade requer que o Brasil explicite os nossos interesses reais com o fim do desmatamento na Amazônia.

Além de combate ao crime ambiental na Amazônia, esse realinhamento significa lidar com as mudanças necessárias para promover os avanços nas economias de baixo carbono, circular, bioeconomia, do conhecimento, da ciência e da inovação. Requer a corresponsabilidade dos non-state actors e um robusto sistema de governança climática e socioambiental envolvendo transparência, regulação, accountability, controle social e democracia.

Sem isso, como ter clareza sobre qual a visão de mundo que une os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos sobre a crise climática e os desafios da humanidade na relação entre a natureza? Ou sobre o projeto de país, se é que existe, que está na base dos interesses brasileiros? Qual a clareza de ideias do governo brasileiro sobre os desafios da Amazônia como floresta, território de integração nacional e regional e de desafios de desenvolvimento humano? Qual é seu real comprometimento com nossos povos originários e seus territórios? Quais seus planos para acabar com a pobreza na Amazônia?

A Amazônia é um pedaço grande do Brasil que desperta reações múltiplas e fortes e de diversas naturezas políticas. A comunidade internacional a percebe com olhares próprios e com limitações sobre as suas realidades; os brasileiros das outras regiões de uma maneira talvez distante ou desatenta, mas também com muito orgulho e esperança; e os muitos e diversos amazônidas a percebem sob suas perspectivas próprias, diversas e legítimas de quem vive sua realidade e respira seus sonhos no dia-a-dia. Entretanto, um aspecto político modela o debate que norteia a Cúpula nos Estados Unidos: apesar da Amazônia não ser maior que o Brasil, é ela a senha que coloca ou retira o Brasil do mundo contemporâneo, e que permite ou dificulta que o Brasil seja parte da liderança geopolítica internacional.

Izabella Teixeira foi ministra de Meio Ambiente do Brasil (2010-2016).
Ana Toni é cientista política e diretora do Instituto Clima e Sociedade (ICS).