Valor Econômico, n. 5227, 13/04/2021, Política, p. A6

 

Entrevista – Rodrigo Pacheco: “Impeachment de ministro do STF é revanchismo”
Rodrigo Pacheco
César Felício
Maria Cristina Fernandes
13/04/2021

 

 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não pretende pautar pedidos de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal, como medida de reação à decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso que obrigou à instalação imediata da CPI da pandemia.

Para Pacheco, pedidos de impeachment “não podem ser banalizados em atos de revanchismo ou retaliação”.

A escalada no confronto entre Legislativo e Judiciário foi uma das sugestões dadas pelo presidente Jair Bolsonaro em conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), para reverter em seu benefício a instalação de uma CPI.

Outra gestão bolsonarista, capitaneada pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que é a de investigar também governadores e prefeitos na CPI será parcialmente acatada. Pacheco pretende anexar ao requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que será lido hoje em sessão do Senado, aquele de Girão pela investigação ampliada.

Com uma ressalva: só poderá ser investigada a destinação de verbas federais a Estados e municípios. A apuração da atuação de governadores é tema de Assembleia Legislativa e dos prefeitos, das Câmaras Municipais.

A seguir, a entrevista:

Valor: O senhor integra o comitê instalado pela Presidência de enfrentamento da Covid-19. É um comitê federativo, apesar de governadores e prefeitos terem sido excluídos. Agora o senhor vai fazer a leitura de requerimento de uma CPI que pretende incluir governadores e prefeitos na investigação das responsabilidades pela pandemia. Isso vai configurar a exclusão de governadores das soluções e a inclusão deles na busca de culpados?

Rodrigo Pacheco: O comitê foi instituído para a discussão de ideias e de iniciativas que possam ser complementares entre cada um dos Poderes. Os governadores e prefeitos mantêm suas atribuições no enfrentamento da pandemia e que são fundamentais. Há de se dar autonomia a governadores e prefeitos. O diálogo é permanente e o fato de eles não integrarem o comitê neste momento não diminui a participação deles nesse enfrentamento.

A CPI tem uma lógica completamente diferente. Apura fatos tidos por ilícitos. A responsabilidade por omissões do governo federal face ao enfrentamento da pandemia, notadamente face ao que aconteceu em Manaus. É esta a razão de ser da CPI e vamos, em função da decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que impôs a leitura do requerimento da CPI e sua instalação, ler o requerimento na sessão desta terça no Senado determinando então a instalação da comissão.

E há um outro requerimento, que é complementar ao primeiro, do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que já conta com as assinaturas necessárias para isso, que será apensado porque não há justificativa para duas CPIs sobre fatos conexos.

Valor: Não está fora do escopo do Senado a criação de uma CPI para investigar Estados e municípios?

Pacheco: Isso é, inclusive, vedado. Uma CPI não pode apurar fatos relativos a Estados. Isso incumbe às Assembleias Legislativas. O que cabe a uma CPI do Senado ou da Câmara dos Deputados é a apuração dos fatos no governo federal e os desdobramentos desses fatos que envolvem recursos federais encaminhados a Estados e municípios. Os fatos relacionados às verbas federais podem ser alvo de inquérito, mas não se pode investigar necessariamente Estados e municípios numa CPI federal.

Valor: E como será feito o funcionamento virtual?

Pacheco: A CPI exige o funcionamento presencial. É um órgão de natureza investigativa, que tem interrogatórios, inquirições de testemunhas sobre as quais deve-se garantir a incomunicabilidade, exame de provas periciais, sigilo de documentos que devem ser guardados no ambiente da CPI. Então é natural que seja feita a CPI de forma presencial. Mas caberá ao presidente a ser eleito pelos membros da CPI se há algum ato específico que possa ser feito de forma virtual ou não. Isso será um critério da CPI. O que me cabe é a instalação.

Valor: Mas por que o senhor deu preferência a acolher o segundo pedido em detrimento da ampliação de escopo do primeiro?

Pacheco: Porque o procedimento para a ampliação do escopo é a coleta de assinaturas suficientes para um novo pedido que substitua o do senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP). O aditamento pedido pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES) parece já estar contemplado no pedido do senador Girão.

Não há uma regra regimental que imponha o autor do requerimento de uma CPI como relator ou presidente”

Valor: O senhor foi avisado que o Supremo iria decidir sobre essa questão da CPI. Por que o senhor decidiu esperar a decisão do ministro Barroso e não se adiantou ao STF?

Pacheco: Porque as decisões do presidente do Senado não podem ser pautadas pela expectativa de decisão de um outro poder. Eu tinha uma posição já conhecida, de que aguardaria a finalização dessa fase de pandemia e o pleno funcionamento do Senado para que pudesse haver o funcionamento de uma CPI presencial. Não sou contra CPIs. Pretendo que todas as responsabilidades sejam apuradas, mas entendi que o modo de funcionamento do Senado impunha que se aguardasse um melhor momento para sua instalação.

Valor: Se governadores e prefeitos não serão alvo de uma CPI no Senado por que acolher esse novo requerimento do senador Girão que é justamente para isso?

Pacheco: Não é que estejamos acolhendo esse requerimento. Na verdade, o requerimento de uma nova CPI promovido pelo senador Girão já conta com as assinaturas suficientes e o fato determinado é conexo a um requerimento feito pelo senador Randolfe, portanto devem ser apensados. Me parece que o novo pedido visa a apurar a destinação das verbas para Estados e municípios. Isso é plenamente possível de se fazer numa CPI do Senado.

Valor: No que a junção desses dois requerimentos muda a composição da CPI?

Pacheco: Não há mudança. O critério é da proporcionalidade dos blocos e partidos

Valor: Existe uma tradição de que o primeiro signatário de uma CPI seja o relator ou o presidente. O acolhimento desse segundo pedido tem como objetivo incluir o senador Girão, que é um aliado do presidente, num dos dois cargos?

Pacheco: Não há uma regra regimental que imponha o autor do requerimento como relator ou presidente. É uma praxe mas que só é aceita se houver concordância por parte dos blocos e dos partidos. Se não houver um acordo, a composição é pela regra da proporcionalidade de blocos e partidos. Isso não depende de mim.

Valor: Isso será cumprido desta vez?

Pacheco: Não sei dizer. Esta é uma avaliação que os líderes partidários terão de indicar os nomes. Pode ser que haja acordo entre os líderes para se dar vaga a quem, pelas regras de proporcionalidade, não teria vaga. Agora para o caso do Randolfe, cujo partido tem duas cadeiras, precisaria que um partido cedesse a vaga.

Valor: Quando o senhor ler o requerimento terá início formalmente a CPI, ainda que sua instalação só se concretize com a definição dos membros. Mas o início do processo formal não tira o objeto da decisão do Supremo amanhã?

Pacheco: De fato, havendo a leitura do requerimento da CPI com a determinação da Presidência do Senado para que os partidos e blocos indiquem os membros, me parece que esteja satisfeita a decisão do ministro Barroso. Estarei cumprindo a decisão do ministro Barroso. Agora a decisão de continuar a levar ao pleno é uma decisão na qual não gostaria de me imiscuir. Cabe ao ministro Barroso decidir.

Temos que falar o óbvio para inibir na raiz essa pregação antidemocrática que é de uma minoria no Brasil”

Valor: O diálogo entre o presidente e o senador Kajuru modulará a decisão do Supremo?

Pacheco: Em relação ao diálogo, segundo soube, não houve autorização do presidente da República, portanto não gostaria nem de falar desse diálogo.

Valor: O senador Kajuru faltou com a verdade? Porque ele disse que consultou o presidente sobre a divulgação da conversa?

Pacheco: Desconheço, não posso entrar nesse mérito.

Valor: Mas já há uma representação no Conselho de Ética contra o Kajuru...

Pacheco: Caberá ao Conselho de Ética decidir pela admissibilidade, pertinência, tipicidade. O conselho é autônomo em relação a esta representação e a outras.

Valor: E sobre o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes e de outros que lá estão, como o senhor agirá?

Pacheco: Os pedidos de impeachment tanto de ministros do Supremo quanto do presidente da República devem ser tratados com muita responsabilidade, não se pode banalizar o instituto. Não podem ser usados por revanchismo ou retaliação. É preciso avaliar aspectos, sobretudo, de juridicidade, de insatisfação com um ministro ou com o presidente da República. É preciso identificar se há uma narrativa adequada, justa causa, elementos probatórios mínimos, se há tipicidade do fato em relação à lei de 1950, portanto é algo que deve ser analisado com bastante juridicidade. Não é o momento de se discutir impeachment no Brasil.

Valor: Por que então não se descartam os pedidos de impeachment?

Pacheco: Essa avaliação pode ser feita oportunamente

Valor: Mas uma decisão mais contundente do Supremo na quarta pode levá-lo a tomar esta decisão?

Pacheco: Não, absolutamente. Não permitiremos que o Senado atue de maneira revanchista ao relação ao Supremo. O fato de o presidente do Senado discordar do mérito da decisão do ministro Barroso não me permite fazer qualquer tipo de ataque a qualquer ministro ou tampouco trabalhar com qualquer perspectiva de retaliação. Não é nosso perfil, não é bom para a democracia nem para as instituições. Vou tomar muito cuidado com isso.

Valor: O senhor conversou com o ministro Barroso antes da decisão?

Pacheco: Visitei o ministro Barroso na segunda-feira, depois participamos de um evento juntos. Sabia que havia a iminência de uma decisão dele, muito embora sem tomar conhecimento do que seria a decisão. Ao conhecê-la, fiz uma manifestação sem deixar dúvidas sobre o dever de cumpri-la.

Valor: Mas sabe-se que o senhor foi avisado de que seria melhor instalar a CPI para que não se configurasse a invasão das prerrogativas de um poder por outro. Não foi feito este apelo?

Pacheco: Não compreendi como apelo o fato de existir um mandado de segurança sobre a iminência de uma decisão que poderia ser como esta. Hora nenhuma me fez pressionar para tomar uma decisão de um jeito ou de outro. Mantive meu posicionamento, não me arrependo e cumprirei a decisão. A leitura do requerimento é uma reação adequada à boa convivência entre os Poderes.

Valor: Há um impasse na questão do Orçamento. Antes do tema da CPI surgir, a solução que estava encaminhada era de veto das emendas do Senado. A questão da CPI coloca a discussão do Orçamento em outros termos?

Pacheco: O que me parece é que o governo já dirimiu suas dúvidas, com a sanção da peça orçamentária e o encaminhamento de um projeto ao Congresso para corrigir aquilo que na ótica do Ministério da Economia precisa ser corrigido. E eu não tomei parte dessas tratativas. Eu poderia resumir essa questão dizendo que a Comissão Mista de Orçamento e o Congresso fizeram o seu trabalho.

Valor: O senhor acha exequível como solução o veto parcial com o encaminhamento de uma medida provisória e de um pedido de calamidade pública que contemple as emendas parlamentares?

Pacheco: Me parece que essa também é uma solução tecnicamente viável. O que eu quero é ver o Orçamento aprovado dentro de uma estabilidade jurídica que não exponha o Executivo.

Valor: O Senado apoiaria um novo estado de calamidade?

Pacheco: Prefiro que haja uma definição do Ministério da Economia se vai haver ou não o acionamento daquilo que a emenda constitucional proporciona para que haja um novo estado de calamidade ou se enviará uma proposta de emenda constitucional específica de ajuda às pequenas e médias empresas, redução de jornada, redução de salário, que são as políticas que aconteceram no ano passado. É papel do governo federal tomar essa providência.

Valor: A decisão do Supremo em mandar instalar a CPI eleva o custo do governo em vetar o Orçamento?

Pacheco: Não, sinceramente na minha lógica são coisas absolutamente independentes e não seria republicano tratar esses temas como vinculados ou conexos. Quem mudou o discurso foi o governo, para poder apontar supostos equívocos na peça orçamentária, não foi um problema criado pelo Congresso. Na questão da CPI, de igual forma, eu defendi que o momento não era oportuno. São questões independentes e não podem aumentar o custo de alguma coisa.

Valor: A Câmara está falando em criar uma CPI também.

Pacheco: Desconheço. Ouvi dizer na imprensa, mas não acompanhei. Não conversei com o Arthur Lira sobre o tema.

Pacheco: “CPI se limitará a investigar a destinação de verbas federais e não a responsabilidade de governadores” — Foto: Claudio Belli

Valor: Podem funcionar as duas, ou mudar o requerimento da do Senado para Mista?

Pacheco: São coisas diferentes. Já houve caso de funcionar uma Comissão no Senado, outra na Câmara, e outra no Congresso, mas não sei como isso está na Câmara, quantas assinaturas eles têm.

Valor: Na sua visão, de quem foi o erro nesta história do Orçamento, onde foi que o bolo desandou?

Pacheco: Talvez o erro tenha sido não identificar antes por parte do Ministério da Economia o que era supostamente equivocado. Se é que era equivocado mesmo destinar recursos obrigatórios para a Saúde e Educação para Ciência e Tecnologia, inclusive para a política de vacinas, então talvez tenha sido a falta de diálogo.

Valor: Mas o Senado não viu antes que o Orçamento nestes termos é inexequível?

Pacheco: Talvez não seja inexequível, talvez tenha tido um excesso de linguagem por parte do ministro Paulo Guedes.

Valor: O senador reafirma sua independência em relação ao governo e não se arrepende da decisão que havia tomado sobre a CPI. Não há dano a essa imagem, seja pela CPI ou por não pautar no Senado o decreto da questão das armas?

Pacheco: Isso é injusto comigo. Vou começar pelo decreto de armas. O decreto presidencial, uma vez editado, pode ter controle do Legislativo por um projeto de decreto legislativo para sustá-lo. Mas a regra é não pautar PDL dessa natureza. Eu pautei o projeto. Só não foi votado porque o relator não apresentou o seu parecer no dia.

Valor: Um senador muito alinhado ao governo o relator [Marcos do Val, Podemos-ES]

Pacheco: Ele foi o relator de PDLs da mesma natureza em 2019. Só não votei o PDL por não ter tido apresentação do parecer, e já pautei para esta quinta-feira. Então não houve nenhuma inibição da nossa parte, pelo contrário. Eu podia simplesmente não pautar. E o fato do decreto entrar em vigor não prejudica o PDL. Ainda depende da Câmara apreciar. Pautar o PDL é uma expressão de independência do governo, como é a decisão de eu cumprir a ordem judicial do Supremo.

Valor: Mas o fato de ter sido necessária uma intervenção do STF para instalar a CPI não macula essa posição de independência?

Pacheco: Não, porque eu tenho uma posição em relação a esse tema que nada tem a ver com a posição do governo, que é a de não reunir presencialmente. A Casa perdeu três senadores pela covid e eu não posso permitir a realização de trabalhos presenciais a todo o custo. A CPI é investigação. Eu tenho que garantir a incomunicabilidade da testemunha. Eu tenho que guardar documentos sigilosos. Não dá para fazer investigação virtual. Uma proposta de emenda constitucional eu consigo discutir virtualmente.

Valor: Como o senhor vê o compromisso do presidente com a democracia?

Pacheco: Essa é uma resposta que ele deve dar. Eu tenho o meu compromisso com o estado democrático de direito. Espero muito que os demais presidentes de Poderes tenham essa percepção.

Valor: Mas por que o senhor acha necessário reafirmar esse compromisso democrático? O recado é para quem?

Pacheco: Para todos nós brasileiros, inclusive aqueles que se julgam no direito de se manifestarem com a invocação de atos institucionais, com a defesa da intervenção miliar, da ditadura no Brasil, Acho que as pessoas têm que ter uma reflexão em relação ao que representam essas ações. Temos que falar o óbvio para inibir na raiz essa pregação antidemocrática, que é minoria no Brasil.

Valor: Por ser um moderador, o senhor passou a ser considerado cada vez mais uma voz que pode surgir no grande vácuo do centro brasileiro. O senhor acha que essa CPI prejudica essa imagem?

Pacheco: Eu vou sempre buscar valorizar mais as convergências, esse é o meu papel, a minha tônica será a de sempre. A todo instante convivemos com problemas a serem resolvidos. Mas as saídas encontradas tem sempre que levar em conta a racionalidade.

Valor: Muitos dizem que o Brasil não estaria na situação de hoje se outro fosse o presidente. O Congresso não faltou com a responsabilidade de pautar o impeachment?

Pacheco: A escolha da maioria dos brasileiros na eleição de 2018 foi pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele é o presidente da República e um impeachment de ocasião não é a solução. É natural reconhecermos ter havido no Brasil erro na condução da pandemia. O fato é que a segunda onda da pandemia veio com características diferentes e o Brasil não se preparou.