Valor Econômico, n. 5226, 12/04/2021. Política, p. A10

 

Reforma pode resgatar financiamento privado e criar cota para mulheres
Cristiane Agostine
12/04/2021

 

 

 

A reforma eleitoral em discussão na Câmara poderá resgatar o financiamento privado de campanha, criar uma cota de vagas para mulheres no Legislativo e tornar mais flexíveis as regras para a propaganda dos candidatos, com a volta de showmícios e da distribuição de brindes.

Um dos principais pontos em debate é o retorno das doações por empresas e bancos, sem cortar o financiamento público de campanha em vigor. As doações privadas não serão mais vinculadas ao faturamento das empresas, como eram no passado, e deverão ter um teto único. O limite em estudo é o valor de R$ 200 mil por CNPJ.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu definitivamente a doação empresarial para campanhas, reforçando decisão provisória de 2015, de vetar o financiamento privado. A permissão para pessoas físicas doarem foi mantida, mas desde então o financiamento de campanha passou a ser feito de forma preponderante com recursos públicos, por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado Fundo Eleitoral. Na eleição de 2020, foram R$ 2,03 bilhões de recursos públicos por meio desse fundo para os partidos.

Integrante do grupo de trabalho da reforma eleitoral na Câmara, o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira defende a volta das doações por empresas e bancos, e diz que o financiamento público exclusivo reforça o poder das cúpulas partidárias e prejudica a renovação na política. “Tem que oxigenar o financiamento para que os candidatos que não são os preferidos da cúpula possam buscar recursos.”

O advogado afirma que com o financiamento público exclusivo os partidos passaram a apostar ainda mais na eleição de deputados federais. A cota de fundo partidário e do fundo especial de financiamento de campanha é calculada com base na bancada federal eleita. Parte dos deputados, diz, comanda diretórios estaduais dos partidos, controlando os recursos e distribuindo a seus aliados. “Isso dificulta a renovação e reforça o caciquismo”, analisa.

Pereira é um dos quatro juristas indicados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para compor o grupo de trabalho que durante três meses tratará da reforma da legislação eleitoral. O advogado diz que “ninguém quer a volta do modelo anterior de financiamento”, em que uma “única empresa doava R$ 200 milhões”. “Mas há certo consenso de que o modelo atual de financiamento público é pernicioso”, diz.

O jurista defende um teto entre R$ 100 mil e R$ 200 mil para as doações por CNPJ. “Não haverá o nível de cooptação do Congresso que havia antes do Supremo vetar o financiamento privado.”

Outro tema em debate sobre a nova legislação eleitoral é criação de cotas para mulheres no Legislativo, com a reserva de um percentual entre 15% e 20% do total de vagas. A proposta em discussão é que seja mantida a cota de 30% das candidaturas para mulheres e que haja um número de cadeiras a serem ocupadas por elas. “Seria um avanço muito grande. O Brasil está nos últimos lugares em rankings sobre a participação das mulheres no Parlamento”, diz Pereira. “Há muitas fraudes e os partidos não cumprem a cota de 30% de candidaturas de mulheres. Tivemos um incremento muito pequeno de mulheres no Legislativo. O Brasil é uma vergonha até para os padrões da América Latina.”

Em 2018, foram eleitas 77 mulheres para a Câmara (15% das 513 vagas). Nas Assembleias Legislativas, as mulheres também foram 15% dos eleitos. No entanto, há diferenças regionais. Em 13 das 27 unidades federativas as deputadas estaduais eleitas não chegaram a 15% das vagas. No Mato Grosso do Sul não foi eleita nenhuma deputada estadual.

A Câmara discute também alterações nas regras para a propaganda eleitoral, que se tornaram mais rígidas em 2006, depois do mensalão. Foram proibidos showmícios, outdoors e a distribuição de brindes como bonés e camisetas.

“Há uma tendência de voltar a propaganda eleitoral a padrões pré-2006. Quem quiser colocar adesivo grande, coloque. Quem quiser fazer showmício, faça. Mas só vai poder gastar dentro de um limite”, diz.

No comando da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o jurista avalia que o limite de gastos estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral para as campanhas é suficiente para evitar abusos de poder econômico. “Depois que foi estabelecido o teto de gastos, perdeu o sentido uma lei que discipline da forma minuciosa como disciplina hoje. O candidato tem um limite de gastos e se quiser fazer showmício ou propaganda em outdoor, que fique à vontade”, afirma.

A comissão da Câmara que debate as mudanças na legislação eleitoral analisa também a antecipação do registro das candidaturas, para evitar que os candidatos disputem as eleições sub judice. Segundo Pereira, 14 mil candidatos concorreram em 2020 sem saber se poderiam ou não assumir o mandato, se eleitos. A proposta é antecipar as convenções partidárias para maio e fazer com que o registro da candidatura seja no começo de junho, para dar mais tempo à Justiça Eleitoral para julgar as candidaturas. Em 2018, as convenções terminaram no início de agosto e o registro, em meados do mesmo mês. No ano passado o calendário eleitoral foi afetado pela pandemia.

O jurista avalia que três temas polêmicos não deverão ser aprovados neste ano pelo Congresso: o distritão; o voto impresso e mudanças na cláusula de barreira.

Crítico do distritão, Pereira analisa o sistema eleitoral como um risco. “Não tem nenhum item da reforma política que jogue mais contra a democracia do que o distritão”, diz. “Acaba com a figura do partido, dilui a representatividade e dificulta a eleição das minorias.”

No modelo atual, o proporcional, o eleitor pode votar no partido ou no candidato e os votos são usados para calcular o quociente eleitoral. Pelo quociente, são definidas as vagas a que cada partido terá direito. No distritão, são eleitos os candidatos mais votados, sem levar em conta os votos para o partido. “É o sistema eleitoral que mais joga votos fora. Todos os votos dado a quem não se elege não são considerados”, afirma.

Em 2015 e 2017 a Câmara barrou tentativas de aprovar o distritão. “A onda de deputados que se elegeram ancorados no partido, do quociente eleitoral como o PSL mostra que não tem clima para aprovar agora. É difícil promover uma reforma em detrimento da maioria eleita. É convidar o deputado ao suicídio político.”

Além de Pereira, o presidente da Câmara indicou para o grupo de trabalho sobre a reforma eleitoral os juristas Marcelo Weick Pogliese, Ezikelly Silva Barros e Geórgia Ferreira Martins Nunes. O colegiado é presidido pelo deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e tem como relatora Margarete Coelho (PP-PI), uma das fundadoras da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. A entidade, sob comando de Pereira, escalou cem especialistas para elaborar propostas para a reforma.