O Globo, n. 32041, 28/04/2021, Rio, p. 16

 

Caminho livre para a disputa pela Cedae
Gabriel Sabóia
28/04/2021

 

 

 

Sem qualquer impedimento da Justiça, o processo de concessão da Cedae entrou ontem na reta final. Quatro grupos empresariais se apresentaram para participar do leilão, marcado para a próxima sexta-feira. Os consórcios se credenciaram na Bolsa de Valores de São Paulo, que organiza e sediará o pregão. A entrega das propostas com os valores ofertados por cada um dos quatro blocos licitados, no entanto, só será feita poucas horas antes de o martelo ser batido. Foram homologados os consórcios Redentor, Rio Mais Operações de Saneamento S.A., Aegea e Iguá Saneamento. O governo do estado e a Bolsa de Valores não informaram que empresas compõem cada um desses grupos.

Os quatro blocos licitados — a parte da Cedae que será privatizada foi dividida em lotes regionais —receberam 12 propostas. O Bloco 1 — que engloba a Zona Sul do Rio e mais 18 municípios — despertou o interesse de todos os concorrentes. O Bloco 2 —do qual fazem parte a região da Barra da Tijuca e Jacarepaguá e outras duas cidades — também receberá propostas dos quatro consórcios.

MAIOR PRIVATIZAÇÃO DO PAÍS

O Bloco 4 — que considera o Centro e a Zona Norte da capital, além de oito municípios —terá três propostas. Apenas a Iguá Saneamento não demonstrou interesse por esse conjunto de localidades. O Bloco 3 —que envolve a maior parte dos bairros da Zona Oeste, além seis municípios —só receberá oferta do Consórcio Aegea.

A modelagem da concessão, elaborada pelo BNDES, tem o objetivo de quase universalizar a coleta e o tratamento de esgoto e o fornecimento de água. O tratamento da água continuará sendo feito pela estatal. A venda da companhia de água e esgoto prevê investimentos privados da ordem de R$ 30 bilhões e é considerada o maior projeto de privatização na área de saneamento do país.

Também estão no edital medidas de recuperação do meio ambiente, como a redução do despejo de esgoto na Baía de Guanabara e no Rio Guandu. No total, pelo menos R$ 10,6 bilhões em outorgas serão pagos pelos concessionários ao estado e aos 35 municípios que aderiram ao projeto. A privatização da companhia também está prevista no acordo de ajuste fiscal firmado entre o estado e a União.

O economista Cláudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, destaca que cada um dos consórcios que formalizaram participação no leilão terá bancos de investimentos atuando como “corretores”. Ele explica que, em um leilão feito na Bolsa de Valores, essas instituições se apresentam como “representantes” dos grupos empresariais e dão segurança às transações.

— Por se tratar de um leilão na Bolsa, tem que haver uma corretora representante. Quem, oficialmente, pode colocar as propostas, são as corretoras creditadas junto à Bolsa. E, em um leilão desse porte, há uma sinalização de segurança ao mercado quando é feito pela Bolsa —explicou.

Após duas tentativas de barrar o leilão na Justiça, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, decidiu ontem proibir ações em primeira e segunda instâncias que impeçam o processo de licitação da Cedae, além de ter derrubado uma liminar do Tribunal Regional do Trabalho (TRT).

“Determino a suspensão de toda e qualquer decisão da Justiça de primeiro e de segundo graus que obste, parcial ou integralmente, o andamento do certame licitatório destinado à concessão dos serviços de saneamento básico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, previsto no Decreto 47.422/2020, do governador do Rio de Janeiro, até ulterior decisão no presente incidente”, escreveu.

A Justiça do Trabalho havia atendido a um pedido de sindicatos que representam funcionários da companhia. Eles argumentam que o pregão acarretará a demissão imediata de mais de quatro mil trabalhadores. O edital de licitação da companhia, no entanto, estabelece a criação de uma espécie de banco de talentos para que as concessionárias admitam funcionários dispensados da estatal. A privatização deve gerar 46 mil empregos diretos e indiretos, de acordo com a modelagem. Esse foi o principal argumento usado pela Procuradoria-Geral do Estado em seu recurso para derrubar a liminar.

PRAZO DE 35 ANOS MANTIDO

Na última semana, Fux já havia determinado que o prazo de concessão da Cedae fosse mantido em 35 anos, como prevê o edital. Para isso, ele precisou suspender outra decisão liminar—essa, da Justiçado Rio—que havia reduzido o período para 25 anos, pelo entendimento de que esse é o tempo máximo previsto pela lei que regulamenta as concessões no estado.

No entender do ministro do STF, “a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico segue sendo dos municípios integrantes, a despeito da execução dos serviços se dar de modo conjunto no âmbito da unidade interfederativa”. Logo, a concessão da Cedae não deve seguir o que está na Legislação estadual.

O secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, explica que batalhas judiciais desse tipo, às vésperas de grandes leilões, são consideradas “normais”.

— Em um leilão desse tamanho é comum que haja decisões judiciais mais próximas à sua data de realização. Todas essas decisões que tentam embarreirar o leilão são tratadas com naturalidade, tanto pelo governo, quanto pelas empresas interessadas, que conhecem o mercado. A PGR seguirá com os recursos cabíveis —disse.