O Globo, n. 32041, 28/04/2021, País, p. 9

 

Planalto prepara defesa do tratamento precoce na CPI
Jussara Soares
Julia Lindner
28/04/2021

 

 

 

Para tentar respaldar ações do presidente Jair Bolsonaro na pandemia, senadores governistas apresentaram uma série de requerimentos à CPI da Covid, instalada ontem, para ouvir especialistas que defendem o chamado “tratamento precoce” com medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Os nomes fazem parte de uma lista elaborada pelo Palácio do Planalto.

Em outra frente, diversas solicitações visam a localizar processos que indiquem possíveis desvios de recursos federais na pandemia. O intuito é colocar estados e municípios na mira da CPI para desviar o foco do governo. Os requerimentos precisam da aprovação da maioria da comissão.

A ação é uma tentativa de reação do governo após o primeiro dia de funcionamento da CPI mostrar que aliados de Bolsonaro, em minoria, terão vida dura na comissão. Eles são apenas quatro entre os 11 integrantes e ontem mostraram desarticulação. Ciro Nogueira (PP-PI) chegou a votar em Omar Aziz (PSD-AM) para presidir o colegiado, uma vitória que já era certa, em estratégia diferente da de Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC). O grupo viu frustradas ainda as tentativas de atrasar o avanço dos trabalhos já no primeiro dia.

Nogueira foi um dos aliados que já apresentaram requerimentos em acordo com o Planalto. Ele pediu que seja ouvida a imunologista Nise Yamaguchi, conhecida por fazer a defesa do uso da cloroquina contra a Covid-19. Na semana passada, ela esteve no Palácio do Planalto para uma reunião. O senador do PP também quer ouvir o prefeito de Chapecó, João Rodrigues (PSD), a quem Bolsonaro visitou no início de abril para reforçar o discurso sobre tratamento precoce.

FALTA DE OXIGÊNIO

A ideia, segundo O GLOBO apurou, é demonstrar que o presidente Bolsonaro fazia a defesa do tratamento precoce com base em especialistas e pesquisadores sobre o tema, além de buscar casos em que a recomendação foi usada.

Outro senador ligado ao governo, o suplente Luis Carlos Heinze (PP-RS) apresentou requerimento para ouvir especialistas sobre “evidências científicas que comprovam a eficácia do tratamento precoce ”. Na lista, estão os infectologistas Ricardo Zimmerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves. além do endocrinologista Flávio Cadegiani.

Cadegiani desenvolveu a metodologia usada pelo Ministério da Saúde no aplicativo Trate Cov, lançado pelo governo e que recomendava ouso de remédios sem eficácia comprovada, como a cloroquina.

O governo ainda sugeriu aos aliados a convocação dos médicos Alessandro Loiola e o imunologista Roberto Zeballos. Autor do livro “Covid-19: a fraudemia”, Loiola é conhecido por espalhar informações falsas sobre vacina e até o uso de máscaras, contrariando recomendações das principais autoridades de Saúde.

De acordo com envolvidos na operação de contra-ataque do Planalto à ofensiva da CPI, o governo ainda orientará parlamentares a convocar diretores da White Martins, empresa fornecedora de oxigênio, e servidores das secretarias de Saúde de Manaus e do estado do Amazonas para ajudar na defesa do governo na crise do oxigênio nos hospitais. Eduardo Girão já apresentou requerimentos nesse sentido.

Já o vice-líder do governo, Marcos Rogério, apresentou pedidos de informações sobre o volume de recursos repassados pela União aos estados, ao Distrito Feder alea municípios para aplicação no enfrentamento à pandemia, bem como sobre as prestações de contas referentes à execução orçamentária desses recursos. Ele também pediu que governadores e prefeitos da capital deem detalhes sobre todos os gastos com recursos federais.

Ciro Nogueira tem requerimentos semelhantes, com pedido de cópia integral de processos de investigações, em qualquer fase, relativos à aplicação dos recursos federais destinados aos estados e municípios de até 200 mil habitantes. Ele solicita informações semelhantes aos Tribunais de Contas Municipais e da União, às Procuradorias Gerais de Justiça e ao Ministério Público Federal e às diretorias-gerais das polícias Civil e Federal.

Desde a semana passada, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, tem orientado senadores governistas na atuação na comissão. Deputado federal eleito cinco vezes e com experiência em CPIs, Onyx foi escalado por Bolsonaro para coordena rareação do governo diante da investigação. A Casa Civil também criou um comitê de crise sobre a CPI.