O Globo, n. 32040, 27/04/2021, Economia, p. 20

 

Sob risco de veto, projeto contra discriminação salarial volta à Câmara
Fernanda Trisotto
27/04/2021

 

 

 

O projeto de lei que pune com multa as empresas que pagam salários diferentes para homens e mulheres na mesma função voltou para a Câmara dos Deputados. Sob risco de veto pelo presidente Jair Bolsonaro, os parlamentares alegaram uma questão técnica para que o texto retornasse ao Congresso.

—Tem duas situações. É um PL (projeto de lei) antigo, de 2011, e teve alteração no Senado. Ele tem que voltar para a Câmara quando tem alteração de mérito. Mas também teve uma preocupação política com o veto —disse a deputada Dorinha Seabra (DEM-TO).

A parlamentar se referiu à declaração de Bolsonaro, em live na última semana. O presidente afirmou estar em dúvida sobre sancionar ou vetar a proposta, e disse acreditar que o texto tornaria “quase impossível” a contratação de mulheres. Bolsonaro tinha até ontem para sancionar ou vetara proposta.

O texto começou a tramitar em 2009, e foi aprovado pela Câmara em 2011. Depois de dez anos, no final de março, o Senado aprovou a proposta com pequenas modificações, como agradação da multa a ser aplicada contra as empresas.

A proposta final estabeleceu que a punição passa a ser de até cinco vezes a diferença salarial verificada entre o homem e a mulher — originalmente seria de cinco vezes. A indenização será multiplicada pelo período de contratação da funcionária, respeitando um limite de cinco anos.

Coordenadora da bancada feminina, a deputada Celina Leão (PP-DF) acredita que o texto será aprovado brevemente na Casa:

—Nós já estamos discutindo a relatoria, e vou sugerir amanhã (hoje) ao presidente Arthur (Lira) uma relatora. Resolvendo esse erro de tramitação, a gente consegue aprovar rápido na Câmara.

A volta do projeto à Câmara causou desconforto entre as senadoras. Havia um entendimento de que, durante a pandemia, pequenas alterações, como a realizada nesta proposta, não demandariam nova análise.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que a live de Bolsonaro já havia causado perplexidade, mas a devolução do projeto ao Congresso tornou a situação pior.

—Sabemos do apoio da bancada feminina na Câmara, só não sabemos se houve artimanha, se houve acordo, se isso aí foi combinado para que agora permaneça esse projeto dormitando nos escaninhos da Câmara por mais uma década —afirmou a senadora, que diz esperar que a Câmara ou o governo encontrem uma solução imediata para a questão, seja via edição de medida provisória ou de votação do texto em regime de urgência.

OUTROS PAÍSES JÁ TÊM LEIS

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), líder do Bloco Senado Independente, vê como retrocesso e desrespeito o retorno do texto à Câmara:

—O texto foi exaustivamente debatido tanto na Câmara quanto no Senado, houve acordo entre os líderes para sua aprovação, junto com as bancadas femininas. Para mim, desperta um acerta dúvidas e não é uma manobra para se evitar um desgaste do presidente da República, já que havia de forma muito clara a predisposição do presidente a vetar esse projeto.

A transmissão ao vivo na semana passada não foi a primeira vez em que Bolsonaro se opôs à aprovação de leis que endureçam as regras para coibir discriminação salarial.

Na campanha presidencial de 2018, Bolsonaro afirmou que era suficiente a previsão na CLT de que homens e mulheres devem ser remunerados da mesma forma. E defendeu que eventuais descumprimentos das empresas deveriam ser corrigidas pela Justiça.

A média salarial das mulheres é ainda muito distante da dos homens. Segundo pesquisa do IBGE, em 2019 elas ganhavam 77,7% do salário médio de homens. A diferença é ainda maior nos cargos de chefia, nos quais elas ganham 61,9% da média salarial deles.

Em outros países, a questão está mais avançada. Segundo o relatório “Mulheres, Empresas e o Direito”, do Banco Mundial ,90 países já possuem legislação que exige igualdade de remuneração. A Islândia foi o primeiro país a cri aru male icomo a que tramita no Brasil. Desde 2018, é ilegal pagar salários menores amulheres, sob pena de multa.

“Sabemos do apoio da bancada feminina na Câmara dos Deputados, só não sabemos se houve artimanha, se houve acordo, se isso aí foi combinado para que agora permaneça esse projeto dormitando nos escaninhos da Câmara por mais uma década” 

Simone Tebet, senadora (MDB-MS)