O Globo, n. 32040, 27/04/2021, País, p. 4

 

Reação legislativa
Paulo Cappelli
Julia Lindner
27/04/2021

 

 

 

Com respaldo do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a CPI da Covid, que terá sua primeira sessão na manhã de hoje, deve confirmar o senador Renan Calheiros (MDB-AL) como relator mesmo após um juiz de primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal ter concedido, na noite de ontem, uma liminar pedida pela deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) que veta o emedebista para o posto.

Senadores integrantes da comissão veem duas inconsistências na decisão do juiz Charles Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal Cível: ele afirma que Renan não pode participar da “votação” para relator — quando a função é designada por indicação do presidente da CPI —e endereça sua ordem para o presidente do Senado. Ainda na noite de ontem, Pacheco declarou que a escolha do relator “não admite a interferência de um juiz”, indicando concordar com a visão dos membros da CPI de que a liminar é inconsistente.

“Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz. A preservação da competência do Senado é essencial ao estado de direito. A Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os Poderes”.

Senadores consideram que a decisão não tem embasamento jurídico por citar uma regra inexistente no regimento interno sobre a indicação no colegiado. Não há, no regimento, previsão de eleição para a relatoria. A prerrogativa da indicação é do presidente do colegiado. “Determino que a União diligencie junto ao Senado da República, na pessoa do seu presidente, para que este obste a submissão do nome do Ilustríssimo Senhor Senador José Renan Vasconcelos Calheiros à votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator”, diz o despacho do juiz.

Logo após a decisão vira público, Renan afirmou que entrou com recurso contra a liminar. Ele classificou a decisão como “uma interferência indevida de um juiz de primeira instância no Poder Legislativo, limitando a liberdade de atuação do Parlamento”:

—ACP Ié investigação constitucional do Poder Legislativo e não uma atividade jurisdicional. Nada tema ver com Justiça de primeira instância. Não há precedente quanto a uma decisão tão esdrúxula.

O senador Otto Alencar (PSD- BA) afirma que os trabalhos seguirão normalmente hoje e que Renan ainda pode ser indicado como relator. Por ser o integrante mais velho da comissão, Alencar é responsável pela abertura dos trabalhos no colegiado.

— Sim, claro (pode seguir normalmente). Foi uma decisão sem embasamento jurídico —avaliou.

Em seu pedidonà Justiça, Carla Zambelli argumentou que Renan é suspeito para ser relator, por ser pai do governador de Alagoas. A CPI investigará os repasses do governo federal a estados e municípios para o combate à Covid.

Randolfe Rodrigues (RedeAP), autor do pedido de CPI, também criticou a liminar.

—É a liminar cloroquina. O juiz deve ter despachado de dentro do Planalto —disse o senador ao blog do colunista Bernardo Mello Franco.

ACESSO A INQUÉRITOS

A ser confirmado relator, Renan Calheiros vai defender junto aos demais membros da CPI que a comissão peça ao STF o compartilhamento dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, que correm sob supervisão da Corte.Ele confirmou ao GLOBO a sua intenção:

— É importante o acesso da comissão a tudo o que houver de conexo com o fato determinado, incluindo esses inquéritos. Defendo que todo fato conexo seja apurado.

Os dois inquéritos têm apoiadores de Bolsonaro como os principais alvos. O das fake news foi aberto pelo próprio Supremo e tem como foco ataques contra ministros da Corte. Auxiliares de Renan sustentam que o compartilhamento do inquérito poderia elucidar se houve, por parte de pessoas ligadas ao governo, apoio financeiro na disseminação do estímulo ao uso de remédios não comprovados cientificamente no tratamento de Covid-19.

A investigação dos atos antidemocráticos, por sua vez, foi aberta apedido da Procuradoria-Geral da República e visa a investigara organização e o financiamento de protestos realizados no ano passado contra STF e Congresso —alguns dos atos tiveram a presença de Bolsonaro. Nesse caso, a apuração buscaria saber se houve estímulo a manifestações nas quais os participantes de aglomeraram sem máscaras e, comisso, propiciaram a propagação do vírus.

A ideia, porém, divide o grupo majoritário da comissão, que reúne senadores oposicionistas e independentes.