O Globo, n. 32039, 26/04/2021, Sociedade, p. 11

 

Prioridade de quilombolas e ribeirinhos só no papel 
Cíntia Cruz
Julia Noia
26/04/2021

 

 

 

Levantamento do GLOBO com base na pesquisa “Planos de vacinação nos estados e capitais do Brasil”, do Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19, aponta que nove estados não colocaram pelo menos um grupo entre quilombolas, população ribeirinha, em situação de rua e privada de liberdade como prioritários na imunização contra a Covid. Juntos, eles correspondem a mais de 1,7 milhão de pessoas no país e integram ao menos 6.023 comunidades.

Os quatro grupos constam como prioritários da última versão do Programa Nacional de Imunizações (PNI), de 15 de março. Entretanto, há falta de transparência quanto ao período em que essas populações devem ir aos postos se vacinar. Com a recente alteração no plano, que prioriza a vacinação de forças de segurança e profissionais da educação, a população privada de liberdade e a que está em situação de rua, involuntariamente expostas ao vírus, ficam ainda mais atrás na fila de vacinação.

Os quatro grupos constam como prioritários da última versão do Programa Nacional de Imunizações (PNI), de 15 de março. Entretanto, há falta de transparência quanto ao período em que essas populações devem ir aos postos se vacinar. Com a recente alteração no plano, que prioriza a vacinação de forças de segurança e profissionais da educação, a população privada de liberdade e a que está em situação de rua, involuntariamente expostas ao vírus, ficam ainda mais atrás na fila de vacinação.

Os quilombolas não são grupo prioritário em Roraima, Acre e Alagoas. Já ribeirinhos estão fora dos planos do Pará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Sergipe e Alagoas. A população privada de liberdade não consta como preferencial em Alagoas. Já Pará e Alagoas não colocaram as pessoas em situação de rua como prioridade. Na maioria dos estados, esses grupos são prioridade no papel, mas os planos não informam quando serão imunizados.

O estudo do Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 mostra ainda que menos de 60% dos indígenas aldeados receberam a primeira dose do imunizante, embora estejam na primeira fase das campanhas em todos os estados. No caso dos povos de comunidades quilombolas, que figuram entre os primeiros a serem vacinados na maior parte dos estados, a estatística é ainda mais alarmante: menos de 4% foram imunizados.

DESIGUALDADE E VIOLÊNCIA

Responsável pela pesquisa do Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19, Felipe Freitas explica que a carência de vacinação desses grupos reflete a desigualdade histórica que as populações sofrem.

—O Brasil é um país violento, ainda mais em relação a esses públicos: negros, quilombolas, indígenas, pessoas em situação de rua, ribeirinhos. A gestão da pandemia tem revelado a radicalização desse processo de autorização da morte desses grupos — diz.

Paulo de Paiva, de 61 anos, vive num quintal com nove casas que abrigam 19 adultos e 19 crianças. O terreno fica no quilombo Maria Conga, em Magé, Baixada Fluminense. A imunização dos quilombolas, que seria de 12 a 16 de abril, foi interrompida no dia 15 por falta de doses.

—Estava marcado para o dia 16, mas as doses acabaram. Tenho muito medo de pegar essa doença por causa da minha idade. A comunidade aqui é grande, muitas crianças. As pessoas saem para trabalhar e podem acabar trazendo o vírus — conta Paulo, morador do quilombo há 30 anos.

Em nota, a Prefeitura de Magé afirmou que o cadastro foi apresentado diretamente pelos quilombos ao estado e que recebeu apenas 155 doses, 7,8% do necessário para vacinar os quilombolas da região.

Biko Rodrigues, coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirma que o governo federal utilizou dados defasados para calcular a quantidade de doses:

—O número trabalhado está muito abaixo da quantidade de famílias quilombolas que existemnopaíshoje.Eletrabalhacom2milhõesdedosespara quilombolas e, pela estimativa da Conaq, esse número é quatro vezes maior, com os dados das secretarias.

Já o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Hugo Leonardo, afirma que a vulnerabilidade dos grupos privados de liberdade é um dos principais fatores que justifica a prioridade na fila. Ele lembra que, nas unidades, não há condição de fazer isolamento social e, na maioria, não há máscara nem sabonete.

— Estamos falando de cuidados mínimos para evitar o contágio —afirma.

ERRO DE LOGÍSTICA

Na Região Norte, a diretora executiva da Oficina Escola Lutheria da Amazônia (OELA), Jéssica Gomes, aponta que houve falta de logística e quantidade baixa de doses ofertadas para a população ribeirinha, que vive ao longo do curso dos rios.

— Desde março, temos novos óbitos de pessoas ribeirinhas que já deveriam ter sido imunizadas —afirma Gomes.

O Ministério da Saúde informou que a estimativa de quilombolas foi feita com dados de 2010 do IBGE, em que constam 1.133.106 pessoas, e que está revisando o número.

O governo do Rio afirmou que a população em situação de rua faz parte da quarta fase de imunizações, mas não detalhou as datas para vacinação.