O Estado de São Paulo, n. 46487, 26/01/2021. Espaço Aberto, p. A2

 

Roberto Padovani e Yuri Ramos: saneamento: evolução ainda que tardia

Roberto Padovani

Yuri Ramos

26/01/2021

 

 

Apesar dos intensos e frequentes ruídos políticos, o País tem mostrado importantes avanços institucionais. Em 2016 definiu-se um limitador constitucional dos gastos públicos e aprovou-se a reforma trabalhista. Em 2019 foi feita a reforma da Previdência e em 2020 foram aprovados a Lei de Falências e o novo marco regulatório do saneamento.

As reformas recentes não devem ser menosprezadas. Mesmo que muita atenção seja dada à agenda fiscal de curto prazo e à tramitação das reformas administrativa e tributária, os avanços microeconômicos e na infraestrutura permitem que um ambiente de negócios mais amigável para os investimentos faça a diferença para a produtividade e o crescimento.

No caso do saneamento, há externalidades conhecidas, como geração de empregos, aumento da produtividade do trabalho, valorização imobiliária, crescimento do turismo e menores gastos públicos, em particular com saúde.

Mas como o setor depende de uma boa regulação e as mudanças anteriores falharam em acelerar os investimentos, o quadro vivido no País ainda é dramático. Os dados recentemente divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento mostram que apenas 56 milhões de brasileiros têm acesso a esgoto tratado, 34 milhões não dispõem de água encanada e cerca de 39% da água é desperdiçada, o que fez o Brasil regredir na comparação internacional.

A boa notícia é que a crise tem sido um incentivo a mudanças. A recessão de 2014 e a de 2020 catalisaram a insatisfação com a baixa qualidade dos serviços públicos e produziram a intolerância necessária para pressionar Congresso e governo por respostas.

No saneamento, a resposta foi ambiciosa. O novo marco espera universalizar os serviços em apenas 13 anos. Mais que em metas, a regulação baseia-se em três pilares que podem fazer o setor caminhar na direção correta.

O primeiro é a uniformização de regras. Com a reforma, a agência de águas (ANA) deverá concentrar a definição de diretrizes e evitar que as atuais 52 agências reguladoras do setor mantenham o sistema complexo, pouco transparente e com sobreposições. Com regras únicas e referências nacionais, principalmente para as tarifas, a instabilidade regulatória e a insegurança jurídica se reduzem.

O segundo pilar evita que as prefeituras renovem automaticamente e sem licitação os contratos com as estatais de saneamento. Por último, a regulação procura formar blocos regionais. Como o setor é intensivo em capital, com investimentos e custos fixos pesados, as cidades pequenas e distantes dos grandes centros, a maioria dos quase 5.600 municípios espalhados pelo País, dificilmente conseguem, individualmente, tornar viáveis projetos de saneamento a um custo viável por habitante. Esse sempre foi um gargalo para a expansão da rede.

A ideia dos blocos tenta resolver esse problema ao permitir ganhos de escala e subsídios cruzados, além de contornar eventuais dificuldades técnicas para a licitação de novos contratos. Reforça também a necessária coordenação entre municípios de uma mesma bacia hidrográfica e a gestão compartilhada nas regiões metropolitanas, incentivando a solidariedade e superando as tradicionais indefinições jurídicas sobre o poder concedente nessas áreas.

Com ganhos de escala e regras estáveis cria-se espaço para que a participação do setor privado aumente e eleve a concorrência dentro de municípios e entre eles. Ao mesmo tempo, a maior competição faz as empresas estatais buscarem maior eficiência e capacidade financeira para atender aos investimentos necessários, o que pode levar a mudanças societárias e a maior participação do mercado de capitais e do crédito privado.

Em contrapartida, o volume expressivo de recursos exigidos para a universalização deverá implicar maior retorno financeiro e tarifas mais realistas. A tendência é que os usuários do saneamento passem a pagar mais por um serviço regionalizado e de melhor qualidade. A experiência dos setores de rodovias, energia e telecomunicações mostra que esse modelo pode funcionar.

As mudanças não serão rápidas e será preciso algum tempo para avaliar o funcionamento do novo marco legal, permitindo sua consolidação. Há ainda muitas indefinições. Mas um bom sinal é a rápida movimentação de investidores nacionais e internacionais, refletindo um ambiente de regras mais claras, liquidez abundante, câmbio desvalorizado, crise do setor público, demanda por serviços de qualidade e maior interesse na pauta ESG.

Em poucas semanas o mercado começa a ser redesenhado. Já foram realizados leilões em Alagoas, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, além do início do processo no Rio de Janeiro. Vários Estados discutem projetos de concessão e de abertura de capital de suas empresas.

Portanto, ainda que as reformas produzam efeitos difusos e difíceis de estimar, o avanço institucional no saneamento não pode ser ignorado. Com mais concessionários e operadores, é a chance de fazer o País tratar seu esgoto, desperdiçar menos água e aumentar sua capacidade de crescer.