O Estado de São Paulo, n. 46485, 24/01/2021. Metrópole, p. A12

 

Medo do vírus, trabalho e falta de aula: as faces da abstenção recorde do Enem

Júlia Marques

Ilana â€‹Cardial

24/01/2021

 

 

Após questionamentos na Justiça sobre segurança sanitária e ano de escolas fechadas, 51,5% dos candidatos faltaram no 1º domingo do exame; ministro da Educação celebrou resultado: ‘Foi um sucesso para quem fez’. Prova é principal forma de ingresso no ensino superior

ESPECIAL  PARA O ESTADÃO

Realizado em meio à segunda onda da covid-19, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nunca teve tão pouca participação desde que a prova se tornou, em 2009, a principal porta de entrada para o ensino superior. Mais de 2,8 milhões de inscritos deixaram de fazer o exame no último domingo. O número, gigantesco, revela histórias de desalento de Norte a Sul, em um país que tem fracassado na gestão da Saúde e da Educação durante a pandemia.

Rostos pretos, brancos, molhados de suor ou de lágrimas são a cara da abstenção do Enem. Os ausentes no exame são jovens como o Ruan, de 22 anos, que trabalhava como motoboy no Rio enquanto outros da mesma idade faziam a prova. Ou têm história parecida com a da Larissa, de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, que perdeu a paz depois de enterrar a tia, infectada com a covid-19, e agora vê os avós no hospital.

Muitos tiveram medo de se contaminar, caso da Manuela, de Juiz de Fora (MG), ou não puderam ir porque já estavam doentes, como o Danilo, de Parauapebas, no interior do Pará.

E teve até quem tentou fazer a prova, mesmo com medo, percorreu quase duas horas em um ônibus, mas encontrou as salas lotadas e acabou impedido de entrar – história do Tiago Felipe, em Curitiba.

A segurança do exame, em meio à pandemia, foi questionada na Justiça, mas o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC), conseguiu manter as datas. Após o primeiro dia de aplicação, a Defensoria Pública da União (DPU) fez novo pedido para que as provas fossem adiadas e para que o exame seja reaplicado a todos os ausentes, mas a solicitação foi novamente negada. Hoje, estudantes fazem os testes de Ciências da Natureza e Matemática – os resultados do Enem só devem sair em março. As notas são usadas para concorrer a bolsas no ensino superior privado ou a vagas em universidades federais.

No último domingo, o ministro Milton Ribeiro afirmou que o Enem “foi um sucesso”, mesmo com o índice de abstenção de 51,5%. “Para os alunos que puderam fazer a prova, foi um sucesso”, disse.

Já Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, classificou como um fracasso. “O Enem é mais um triste episódio de um Ministério da Educação incompetente, omisso e alheio à realidade da educação, dos estudantes e da pandemia no Brasil.” Ela pede transparência sobre a prova. “A sociedade precisa saber a dimensão dos prejuízos causados.”

O Estadão ouviu cinco jovens que deixaram de fazer a prova no último domingo.

Ausentes

2.842.332

candidatos deixaram de ir no primeiro domingo de provas – número representa 51,5% do total de estudantes inscritos no Enem 2020.