O Globo, n. 32037, 24/04/2021, Mundo, p. 21

 

Atraso na transição verde
Henrique Gomes Batista
24/04/2021

 

 

SÃO PAULO e RIO — O primeiro dia da Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, marcou uma nova era nas negociações ambientais. Mas, além do retorno americano ao tema em posição de destaque, que havia sido abandonada na gestão de Donald Trump, apenas alguns países anunciaram metas mais audaciosas ou aceleradas na redução da emissão de gases poluentes.

Biden reforçou sua abordagem de que as mudanças climáticas geram oportunidades. Tentando impulsionar sua agenda doméstica de retomada verde, comprometeu-se a reduzir as emissões americanas até o fim da década entre 50% a 52% em comparação com os níveis de 2005. A meta anterior, que havia sido firmada pelo então presidente Barack Obama, previa uma redução de 26% a 28%.

— Os sinais são inconfundíveis, a ciência é inegável e os custos na falta de ação continuam a se acumular — disse Biden. — Quando as pessoas falam sobre clima, eu penso em empregos.

Depois, o americano foi mais assertivo na ajuda para financiar a transição verde de outros países, afirmando que seu governo vai triplicar, a partir de 2024, o financiamento público climático anual para países em desenvolvimento.

Feita sob medida para que os Estados Unidos voltassem ao tema, a cúpula foi marcada por falas de grandes líderes globais elogiando a retomada do protagonismo americano na questão climática, algumas vezes com ironias ao governo anterior, como no caso de Angela Merkel, da Alemanha.

— Este novo compromisso é o próximo passo essencial na tentativa de os Estados Unidos recuperarem seu manto de liderança climática global — afirmou Jennifer Haverkamp, ex-embaixadora que participou de sete cúpulas do clima da ONU pelos EUA e é professora da Universidade do Michigan.

 

 

Para Sérgio Leitão, presidente do Instituto Escolhas, o governo Biden conseguiu ao mesmo tempo um raro alinhamento ao unificar as expectativas internacionais, atrair a iniciativa privada ao seu projeto e ter maioria no Congresso para a agenda ambiental:

— Biden tem o potencial de fazer muito mais pela agenda ambiental que os últimos dois governos democratas (Obama e Clinton).

 

Neutralidade do carbono
Vladimir Putin afirmou que a Rússia quer colaborar com o desenvolvimento de novas tecnologias, um sinal para romper o relativo isolamento que o país vive com o Ocidente por seus problemas com a Ucrânia. O presidente ainda indicou que a Rússia, um dos maiores exportadores globais de petróleo, pode ser neutra em carbono até 2050.

O presidente chinês, Xi Jinping, ao mesmo tempo em que reafirmou a meta de atingir a neutralidade do carbono até 2060, cobrou uma cooperação mais efetiva. Xi reforçou a necessidade de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Prometendo uma reversão no uso do carvão a partir de 2025, ele se mostrou disposto a atuar com os EUA, com quem a China vive uma “guerra” tecnológica e comercial:

— A China espera trabalhar com a comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, para promover conjuntamente a governança ambiental global.

Paulo Sergio Pinheiro, da Comissão Arns, afirma que a cúpula marcou “a volta da diplomacia” e do diálogo:

— Os discursos dos líderes da China e da Rússia foram propositivos e de cooperação, não houve um tom de enfrentamento — avaliou.

 

Líderes de países em desenvolvimento, como o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, cobraram abertamente a maior participação dos ricos no financiamento da transição climática.

 

— Economias desenvolvidas (também) têm a responsabilidade de financiar países em desenvolvimento para se adaptarem às mudanças climáticas, disse o sul-africano.

Países ricos reconheceram a necessidade de um maior envolvimento financeiro com esta agenda. O francês Emmanuel Macron afirmou que é necessário uma transformação completa do sistema financeiro para enfrentar os novos desafios. De acordo com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, o compromisso com a redução de emissões de gases estufa provocará um “impacto transformativo na luta global contra as mudanças climáticas”:

— Como anfitriões da COP-26 (que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, em novembro), queremos ver mais ambições em todo o mundo.

 

Retomada da confiança
Outros países ampliaram a visão da justiça ambiental. O canadense Justin Trudeau afirmou que o avanço climático só ocorrerá com “compartilhamento de paz e prosperidade”. Diversos líderes africanos, latino-americanos e asiáticos lembraram que a devastação ocorre mais velozmente em áreas carentes.

O presidente do Gabão, Ali Bongo, disse que as mudanças climáticas podem estar por trás da metade dos conflitos africanos na próxima década. E Andrés Manuel López Obrador, mandatário mexicano, quer unir a imigração à questão ambiental:

— A proposta é ampliar esse programa no México e na América Central, chegando a semear 3 bilhões de árvores adicionais e gerar 1,2 milhão de empregos. Vocês, presidente Biden, poderiam financiar o programa em Guatemala, Honduras e El Salvador — disse ele, em referência ao programa Semeando Vida, que emprega 450 mil mexicanos no reflorestamento.

 

O mexicano Bosco Marti, pesquisador do Atlantic Council, em Washington, vê a cúpula como um sucesso, em especial para os EUA:

— A cúpula é um ponto de virada neste assunto e pode ser uma grande oportunidade para um avanço ambicioso na agenda multilateral — afirmou ele, que vê as novas metas de redução de emissões de gases como algo fundamental.