O Globo, n. 32036, 23/04/2021, Mundo, p. 22

 

Para ex-ministros, presidente jogou na defensiva
Renato Grandelle
Janaína Figueiredo
23/04/2021

 

 

 

O presidente Jair Bolsonaro apresentou-se “acuado” e amparou-se em dados de gestões anteriores para impressionar chefes de Estado e governo reunidos na Cúpula de Líderes sobre o Clima, segundo quatro ex-ministros do Meio Ambiente entrevistados pelo GLOBO. Bolsonaro afirmou, por exemplo, que o governo federal conseguiu evitar a liberação de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono para a atmosfera nos últimos 15 anos, o que ocorreu nos governos de seus antecessores.

As ressalvas ao pronunciamento também foram feitas por diplomatas, que acreditam  que a  mudança de tom pode ter vindo tarde demais e precisa ser acompanhada de medidas práticas.

Para Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente no governo de Dilma Rousseff, o presidente perdeu uma “grande oportunidade para reafirmar a credibilidade” do país.

— Bolsonaro poderia antecipar o corte de [43% nas] emissões para 2025 caso se comprometesse a combater o desmatamento ilegal, que aumentou em sua gestão. Ele tentou combater este problema levando as Forças

Armadas para a Amazônia, o que não funcionou. Também faltou dizer como mudará o Código Florestal, que é de oito anos atrás.

Teixeira ressalta que o combate às mudanças climáticas no Brasil não se restringe ao fim da devastação da Amazônia. Cerca de metade das emissões de gases estufa vem de atividades econômicas como a agricultura, que não é devidamente organizada:

— Precisamos firmar uma agenda do uso do solo que não seja o desmatamento, fazer uma economia da biomassa.

Carlos Minc, que comandou a pasta no governo Lula, avalia que Bolsonaro apresentou-se como uma “metamorfose ambulante”: 

—Ele fez o contrário daquilo que disse no discurso: negou o desmatamento e as mudanças climáticas, não demarcou um hectare de terra indígena, permitiu sua invasão por grileiros e mineradores, desmontou o Ibama e o ICMBio, tirou a Polícia Federal da Amazônia – disse.

Marina Silva, que também esteve à frente da pasta durante a Presidência de Lula, considera que Bolsonaro teve uma “atitude desonesta”, porque “fez questão de destruir as políticas que mencionou”.

José Carlos Carvalho, ministro do Meio Ambiente no governo FHC, a credita que o precisará chegara um “ponto de inflexão ”, modificando acondutados eu governo para adequá-la a o discurso:

— As metas voluntárias assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris não se restringem ao controle do desmatamento. Ele também herdou o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares de floresta e outros 15 milhões de pastagem degradada.

O embaixador aposentado Rubens Ricupero avalia que a mudança do discurso presidencial não surtirá efeito:

— No caso de Bolsonaro, o que interessa é oque ele faz, não oque diz. Hoje, estou duplamente cético, porque além de mentiroso, é hipócrita.

A insistência de Bolsonaro em pedir ajuda financeira foi considerada um erro por Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington, que no entanto elogiou a antecipação em dez anos do compromisso de neutralizar as emissões de carbono.

—É uma agenda ambiciosa, falta saber como será aplicada. Se o governo não cumprir, sua credibilidade irá a zero.

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, também espera ver para crer.

—O governo entendeu a importância que tem a agenda do clima para a atração de investimentos e a abertura de mercados para nossos produtos. Mas essa nova postura precisa vir acompanhada de ações concretas —disse.