O Globo, n. 32036, 23/04/2021, Mundo, p. 22

 

Sob pressão, uma nova meta
Daniel Gullino
23/04/2021

 

 

 

Pressionado internacionalmente para conter o desmatamento da Floresta Amazônica, que em seu governo atingiu o maior nível desde 2008, o presidente Jair Bolsonaro discursou ontem na Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, e anunciou a antecipação para 2050 do prazo para o Brasil neutralizar as emissões de gases estufa. A meta anterior, definida no ano passado, era 2060 e, embora o presidente não tenha imposto condições para a antecipação — objetivo buscado por EUA e União Europeia (UE) — pediu recursos internacionais.

— Coincidimos, senhor presidente (Biden), com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior — disse o presidente brasileiro.

Bolsonaro também prometeu dobrar, sem detalhar como, o orçamento de órgãos ambientais destinado a ações de fiscalização, como parte do esforço para acabar com desmatamento ilegal até 2030 — objetivo assumido pelo Brasil em 2015, no Acordo de Paris.

—Há que se reconhecer que será uma tarefa complexa (zerar desmatamento). Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais do governo, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização.

No entanto, seu governo vinha reduzindo os gastos na área. A previsão inicial de orçamento para o Ministério do Meio Ambiente em 2021 era a menor desde o início do século, incluindo cortes de 29,1% nos recursos do Ibama e de 40,4% nos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Por causa desse esvaziamento, em 2019 e 2020 —os dois primeiros anos do governo Bolsonaro — o desmatamento da Amazônia atingiu recordes desde 2008, chegando a 10.129km² e 11.088km², respectivamente, segundo o sistema de  monitoramento oficial Prodes.

Por sua vez, após o presidente anunciar que dobrará o orçamento de fiscalização ambiental, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou ainda não ser possível citar valores porque o Orçamento de 2021 não foi definido.

— O que é possível dizer é que o que houver de disponibilidade, o presidente vai dobrar o recurso — disse Salles, em coletiva no Planalto.

O ministro não explicou quais ações terão orçamentos duplicados. O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, afirmou que em 2020 foram gastos R$ 340,6 milhões em três ações orçamentárias relacionadas à fiscalização ambiental, mas ressaltou que para 2021 estão previstos apenas R$ 65,6 milhões, dos quais 19,6 milhões já foram pagos.

BIDEN NÃO VIU DISCURSO

Entre os 26 líderes convidados a falar, Bolsonaro foi o 18º a discursar. Biden só acompanhou os primeiros 15 discursos e não estava presente no momento da fala do brasileiro. Acompanharam a declaração o secretário de Estado, Antony Blinken, e o enviado especial para o clima da Casa Branca, John Kerry.

Sem adotar o tom de enfrentamento usado em participações na Assembleia Geral da ONU, quando rebateu críticas à política ambiental brasileira, Bolsonaro afirmou que o Brasil está na “vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global” e pediu uma “justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta”, mas sem falar em valores.

Para viabilizar essa remuneração, Bolsonaro defendeu a regulamentação do mercado de créditos de carbono, estabelecido no Acordo de Paris. O assunto deve ser discutido na próxima cúpula climática da ONU, a COP-26, em novembro em Glasgow, na Escócia.

Bolsonaro defendeu a política ambiental brasileira dizendo que a principal causa do aquecimento global é a queima de combustíveis fósseis nos últimos dois séculos.

— Contamos com uma das matrizes energéticas mais limpas, com renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa —acrescentou.

O presidente alegou que a Amazônia tem os piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do país, apesar de ser a região mais rica em recursos naturais, e disse que é preciso solucionar esse “paradoxo amazônico”.

Na transmissão, Bolsonaro estava acompanhado de diversos ministros, com Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Carlos França (Relações Exteriores). Salles é alvo de críticas de diversos setores pelas políticas adotadas na pasta, sob seu comando desde o início do governo Bolsonaro em 2019. Estimase que no Ibama haja atualmente um déficit de cerca de 500 fiscais, enfraquecendo as ações de combate ao desmatamento ilegal.

PRETERIDO, MOURÃO IRONIZA

Por sua vez, o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia mas foi escanteado do discurso de Bolsonaro na cúpula, minimizou a importância do encontro e ironizou a promessa de antecipar de 2060 para 2050 a neutralização do carbono.

— Tinha desde grandes países até países bem pequenos (na cúpula). É mais uma carta de intenções que cada um colocou. E aí neguinho chega ali: “Em 2060...” Pô, nós todos já viramos pó — afirmou Mourão, que disse que o governo estuda estender o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, que permite a manutenção das Forças Armadas na região para combater o desmatamento.

A cúpula é o maior desafio diplomático já enfrentado por Bolsonaro porque põe em xequearelaçãocomosEUAapós a saída do republicano Donald Trump da Casa Branca em janeiro e expõe a falta de compromisso do seu governo com as metas que o próprio Brasil estabeleceu cumprir como signatário do Acordo de Paris sobre o clima em 2015.