O Globo, n. 32036, 23/04/2021, Rio, p. 15

 

Supremo bate o martelo
Gabriel Sabóia
Luiz Ernesto Magalhães
23/04/2021

 

 

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, determinou que o prazo de concessão da Cedae seja fixado em 35 anos, como prevê o edital de licitação. Ontem, o ministro suspendeu uma liminar da Justiça do Rio que inviabilizaria o leilão da empresa, sob o argumento de que uma lei estadual só permitiria que a companhia fosse concedida pelo prazo máximo de 25 anos. A venda da companhia de água e esgoto, que prevê investimentos privados da ordem de R$ 30 bilhões, foi mantida para o dia 30 deste mês. Até o momento, 12 grupos empresariais já realizaram visitas técnicas nas instalações da Cedae em 35 municípios do estado e formalizaram o seu interesse em participar do pregão.

Ao bater o martelo, Fux dá segurança jurídica ao negócio, considerado o maior projeto de privatização na área de saneamento do país. A tese que prevaleceu, apresentada pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), foi a de que a legislação estadual não poderia ser obstáculo porque os serviços de água e esgoto, por lei, são de competência  municipal. Apenas a gestão da Cedae estava com o estado. No recurso, o governador em exercício Cláudio Castro também alegou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) tinha concordado com o entendimento, antes de o edital ser lançado. Para Fux, “a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico segue sendo dos municípios integrantes, a despeito da execução dos serviços se dar de modo conjunto no âmbito da unidade interfederativa”.

RECURSO ESGOTADO

Além de ter apresentado a contestação no Supremo, a PGE também havia recorrido no próprio Tribunal de Justiça do Rio. A expectativa era que o Órgão Especial do TJ discutisse o recurso na reunião da próxima segunda-feira. Mas antes disso o Supremo se pronunciou.

A ação que pediu a redução do prazo de concessão foi movida pelos deputados Luiz Paulo(Cidadania),Lucinha(Lucinha),  Waldeck Carneiro (PT), Gustavo Schmidt (PSL) e Flávio Serafini (PSOL). A liminar foi concedida pelo desembargador do Tribunal de Justiça Adolpho Andrade Mello. Em seu texto, ele considerou que havia “clara divergência entre o prazo do contrato de concessão dos serviços, que o fixou em 35 anos, e o previsto no artigo 4º da Lei Estadual 2.831/ 97, que o limita a 25 anos”. O magistrado, que também analisou o mérito em que confirmou a decisão tomada, afirmou que o período só poderia ser alterado com a aprovação de um projeto de lei.

— Decisão do STF cumpre-se, simplesmente. Agora é lutar por um serviço de qualidade e seguir fiscalizando todas as ações da Cedae —afirmou.

Embora a decisão liminar não tivesse o poder de derrubar o leilão, a mudança de escopo no edital atingiria diretamente a sua realização, já que o volume de investimentos previsto é atrelado ao tempo da concessão. Juristas ouvidos pelo GLOBO concordam com o entendimento de Fux, de que a concessão dos serviços por 35 anos não esbarra na lei estadual.

Especialista em direito público e sócio da LL Advogados, Leonardo Coelho diz que os titulares dos serviços de saneamento continuarão a ser os municípios congregados e destacou a importância do prazo definido com base em estudos prévios:

—A lei do estado que limita os prazos não se aplica à questão da Cedae. E o prazo é uma variável que traduz o valor econômico do tempo. Os investimentos são atrelados a 35 anos.

Especialista em marcos regulatórios, concessões e parcerias público-privadas, o advogado Maurício Portugal Ribeiro, do escritório Portugal Ribeiro Advogados, também entende que o estado não está fazendo a concessão em nome próprio e, por isso, não se aplica o limite de 25 anos. O escritório de Ribeiro trabalha com a BRK Ambiental, uma das interessadas em participar do leilão.

— O poder concedente na realidade permanece com as prefeituras. É muito diferente, por exemplo, se o estado quisesse fazer a concessão de uma rodovia estadual, administrada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Aí, sim, caberia limitar a concessão por 25 anos —observa o advogado.

Professor do departamento de direito público da UFF, Gustavo Sampaio afirma que a divergência só aconteceu pela falta de entendimento a respeito de quem deveria legislar sobre o processo licitatório.

— Não adianta brigar, enquanto essa dúvida sobre a competência do abastecimento e do saneamento ocorrer. Essa era uma matéria nebulosa demais para não terminar no Judiciário —afirmou.

SEGURANÇA JURÍDICA

O economista Cláudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, destaca que o parecer de Fux dá segurança jurídica ao negócio:

— O projeto de concessão foi muito analisado, antes de ser apresentado. Não se chega a uma conclusão sobre o prazo de 35 anos por acaso, sem muita fundamentação. As regras não iriam ignorar uma suposta ilegalidade.

O leilão será dividido em quatro blocos, numa modelagem elaborada pelo BNDES, com objetivo de quase universalizar a coleta e o tratamento de esgoto e o fornecimento de água. Também estão no edital medidas de recuperação do meio ambiente. A previsão é que a venda da Cedae gere 45 mil empregos e R$ 10,6 bilhões em outorgas pagas pelos concessionários ao estado e aos 35 municípios que aderiram ao projeto. A privatização da companhia também está prevista no acordo de ajuste fiscal firmado entre o estado e a União.