O Globo, n. 32036, 23/04/2021, Sociedade, p. 14

 

Entrevista - Marcelo Queiroga: "O que é comprovação científica? existem níveis”
Marcelo Queiroga
Paulo Cappelli
23/04/2021

 

 

 

Equilibrando-se entre o apoio do presidente Jair Bolsonaro ao tratamento precoce com medicamentos de eficácia não comprovada no combate à Covid-19 e estudos técnicos, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prepara um protocolo com orientações sobre as substâncias usadas pelos médicos no país. Segundo o ministro, remédios como a cloroquina, incluída no tratamento precoce com aval do governo, estarão descritos de acordo com o que há disponível sobre seu uso até o momento. Em entrevista ao GLOBO, Queiroga defende Bolsonaro, afirmando que não foi o presidente que atrasou a compra de vacinas, que exigiam aprovação prévia da Anvisa. Com sua pasta no centro das investigações da CPI da Covid, o ministro diz que o governo não tem o que temer.

O governo federal teme a CPI da Covid no Senado?

Minha preocupação é com CTI, não com CPI. Não há o que temer. O ministério trabalha com transparência e está à disposição para eventuais esclarecimentos.

Qual é a maior dificuldade em um mês de gestão, completado hoje?

A prioridade é implementar campanha ampla de vacinação. Desde maio de 2020, o governo trabalha forte na área de pesquisa: a Unifesp, em parceria com Oxford, pesquisou a vacina AstraZeneca. Posteriormente, houve acordo para produção dessa vacina na Fio cruz. Também fizemos acordo coma Astra Zene cade transferência de tecnologia para que o Brasil possa produzir vacinas sem importar IFA. O país também tem o Butantan produzindo vacinas. A dificuldade é a própria pandemia que assola o país há mais de um ano.

Há críticas de que a CoronaVac demorou a ser avalizada pelo governo. Não estaríamos mais à frente na campanha se tivesse havido mais agilidade?

O Brasil é o quinto país que mais vacinas distribui. Há dificuldade de vacinas mundialmente. O Butantan tem sido fortemente fomentado pelo Ministério da Saúde. Só podemos ofertar vacinas para a população depois que as vacinas conseguem registro. O que houve não é uma questão do governo, é algo relacionado ao estado brasileiro. O ministério não pode interferir na atuação regulatória da Anvisa.

Em dezembro, Bolsonaro disse que as pessoas poderiam “virar jacaré” com a vacina. Esse desestímulo à vacinação foi prejudicial?

Em um vídeo, o presidente incentivou fortemente a vacinação. E o governo adquiriu mais de 500 milhões de doses de vacinas. O presidente é excelente comunicador e tem maneira própria de se comunicar com a população brasileira. Talvez, quando o presidente falou isso, estivesse alertando sobre a importância de se verificar segurança não só de vacinas, mas de todos os medicamentos. O presidente é o maior ativo do enfrentamento à pandemia. Ele me deu autonomia para montar uma equipe técnica, e abrimos diálogo com a comunidade científica.

Em dezembro, Bolsonaro disse que as pessoas poderiam “virar jacaré” com a vacina. Esse desestímulo à vacinação foi prejudicial?

Em um vídeo, o presidente incentivou fortemente a vacinação. E o governo adquiriu mais de 500 milhões de doses de vacinas. O presidente é excelente comunicador e tem maneira própria de se comunicar com a população brasileira. Talvez, quando o presidente falou isso, estivesse alertando sobre a importância de se verificar segurança não só de vacinas, mas de todos os medicamentos. O presidente é o maior ativo do enfrentamento à pandemia. Ele me deu autonomia para montar uma equipe técnica, e abrimos diálogo com a comunidade científica.

Há alguma política sobre o uso de cloroquina, invermectina e outras drogas controversas no meio médico?

Vou submeter à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec )a análise de todos os fármacos que se usam no tratamento da Covid-19, qualificando a evidência científica que há em relação a cada um. Vamos lançar um protocolo em breve, elaborado com nosso corpo técnico, que são os membros da Conitec, mais professores de universidades respaldadas. O objetivo é orientar a conduta. Claro que os médicos têm autonomia, mas para atuar dentro de contexto de evidências médicas e da legislação brasileira. Quando aprovado pela Conitec, o protocolo vai ser publicado no Diário Oficial e virar uma política pública.

Pode detalhar este protocolo?

O que há é o desejo do presidente de que os médicos tenham a autonomia de tomar as melhores decisões. A Covid foi descoberta no fim de 2019 e, na época, não havia tratamento específico. Várias medicações foram aventadas, entre elas as que você citou. Hoje há consenso de que essa medicação em pacientes com Covid grave não tem ação, mas em pacientes no estágio inicial, há estudos observacionais que mostram benefícios.

Que estudos são esses?

Tem vários. Por exemplo, em relação à dexametazona, há estudos que mostram que, nos pacientes que necessitam de oxigênio, elar eduzamort alidade. Não están abulada dexamet azo naque ela devas er usada para a Covid, mas já há consenso na classe médica que esse fármaco é útil nessas condições. Existe um tratam entoque agora fico umais divulgado, o EC MO, ao qual alguns pacientes muitos graves podem recorrer. Estamos analisando para incorporar ao SUS. Temos que convergir onde há consenso. Como ministro da Saúde, tenho que propiciar debate científico de alto nível e buscar os consensos.

O Ministério da Saúde vai recomendar remédios que não possuem comprovação científica de eficácia?

Não falei isso. Eu disse que todos os medicamentos vão ser elencados, e as evidências científicas do emprego deles vão ser citadas. O que é comprovação científica? Existem níveis de evidência científica. A de nível A é a construída com estudos randomizados, a melhor que nós temos. Mas na prática médica nem tudo é feito com base em evidência nível A. Estudos observacionais são de nível C, evidências mais fracas que as A e B. Mas não quer dizer que não possam ser empregadas. O Brasil tem legislação sanitária avançada. A lei 8.080/1990 diz que protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas são elaboradas pela Conitec.

O senhor concordou com a aprovação do Conselho Federal de Medicina de facultar aos médicos a prescrição de cloroquina em caso de Covid?

O Ministério da Saúde não interfere nas decisões do CFMs. A autonomia médica é um instituto milenar, existe desde o primeiro diploma ético da medicina, de Hipócrates. Não estou aqui para dar opinião pessoal. Sou ministro da Saúde.

O STF determinou que o ministério divulgue a previsão da chegada de doses...

O ministério vai atender o STF e montar o calendário com as atualizações devidas. Queremos fazer isso ainda  hoje (ontem —até a conclusão desta edição, não havia sido divulgado). Um calendário de doses que o ministério adquiriu e previsão de chegada conforme os contratos. Mas está sujeito a atrasos. O calendário de entregas da OMS para Covax Facility no Brasil, por exemplo, está atrasado.

Há crítica de que governo priorizou a AstraZeneca em detrimento de outras vacinas e que a imunização poderia estar mais avançada. É verdade?

Há várias vacinas no calendário: da Pfizer, já adquirimos 100 milhões de doses e tem negociação avançada para mais 100 milhões. A vacina da Jansen, da AstraZeneca, a CoronaVac. A Covaxin está em discussão na Anvisa. A Sputnik tem acordo de que, uma vez aprovada pela Anvisa, poderá ser usada no Brasil. Não tem questão de dar prioridade a uma ou outra. A dificuldade com vacinas é mundial.

O que pensa sobre home office e lockdown?

As medidas mais restritivas deveriam ser tomadas de maneira pontual, mas resultam da falência de todas as outras medidas. Se fizermos nosso dever de casa, o Brasil vence a Covid. Há medidas farmacológicas e não farmacológicas para enfrentara Cov id: máscara, distanciamento social ... Precisa de conscientização. Precisamos do apoio de todos.

No último fim de semana, Bolsonaro saiu sem máscara.

Temos conversado, e ele tem usado máscara. Não vejo desestímulo do presidente. O governo federal, em campanha, tem recomendado medidas de prevenção não farmacológicas. Quem tem que julgara condutadas pessoa sé a História. Não eu. Minha função não é ficar vigiando as atitudes do presidente da República.