O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Mundo, p. 23

 

Fora do tom
Malu Gaspar
Mariana Carneiro
Ana Rosa Alves
Jussara Soares
22/04/2021

 

 

 

Na Cúpula dos Líderes pelo Clima convocada pelo presidente Joe Biden, que tem início hoje, de forma virtual, o presidente Jair Bolsonaro presenciará outros chefes de Estado e de governo anunciando novas metas de cortes de emissões de gases poluentes, enquanto, sem ter dado indicação de que pretende mudar as metas anunciadas pelo Brasil em 2015, pedirá dinheiro aos países ricos para o combate ao desmatamento.

O discurso preparado para Bolsonaro tentará convencer oslíderesde25paísesedaUnião Europeia de que o Brasil tem um planejamento para reduzir os índices de desmatamento na Amazônia. O plano a ser apresentado no discurso e em vídeo tem cinco eixos: ações de comando e controle, regularização fundiária, pagamentos por serviços ambientais, ações de zoneamento ecológico-econômico e promoção da bioeconomia. São os mesmos temas em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, costuma insistir nas conversas com representantes de outros países.

Os cinco itens prometidos pelo Brasil fazem parte do Plano Nacional para Combate do Desmatamento Ilegal, lançado no ano passado, que Salles já admitiu não ter decolado por falta de engajamento de outros ministérios. O material preparado para a cúpula do clima não detalha como o plano será executado.

DÍVIDA COM O BRASIL

Em sua apresentação, Bolsonaro deve repetir a queixa de que outros países devem fazer mais e que o Brasil deveria ter recebido US$ 133 bilhões pela redução na emissão de carbono entre 2006 e 2017 – em governos passados. O pagamento por créditos de carbono, espécie de indenização dos países mais poluidores aos que preservam o meio ambiente, é previsto pelo Acordo de Paris, mas não está regulamentado.

Líderes estrangeiros têm dito publicamente e nos bastidores que não estão dispostos a ajudar o Brasil antes que o país mostre resultados concretos na queda do desmatamento.

O governo Biden também quer que o Brasil antecipe de 2060 para 2050 a meta de neutralizar todo o carbono emitido pelo país. Em carta enviada recentemente ao presidente americano, Bolsonaro disse que poderia antecipar o prazo, mas pediu, em troca, ajuda econômica.

Na véspera da cúpula, Salles disse que, se o governo dos EUA se comprometer com US$ 1 bilhão, o Brasil investirá um terço do recurso na Força Nacional de Segurança (FNS) para ajudar no combate ao desmatamento e, com isso, conseguiria ampliar o efetivo disponível de 350 para 3.500 policiais. A proposta foi apresentada ao governo Biden há cerca de três semanas.

Sobre os cortes de emissões, Bolsonaro apenas reforçou, na carta ao presidente americano, que o país vai cumprir metas assumidas pelo governo Dilma, no âmbito do Acordo de Paris, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030. No entanto, o índice de liberação de poluentes em 2005, o ano de referência, foi revisado, o que permitirá que o país cumpra o compromisso internacional mesmo se o desmatamento da Amazônia for maior que 13 mil km², bem superior ao registrado em 2020.

Biden deverá anunciar na cúpula que os EUA se comprometerão a cortar suas emissões pela metade até 2030 em comparação com as taxas de 2005. É um avanço em relação à meta anunciada em 2015, que previa cortes de até 28% até 2030.

A União Europeia, terceira maior poluente, apresentará a promessa de reduzir em ao menos 55% suas emissões em comparação com o nível de 1990. Sua meta anterior era de uma redução de 40%. O premier britânico, Boris Johnson, por sua vez, prometeu reduzir as emissões em 78% até 2035, sobre os níveis de 1990.

Além dos presidentes e primeiros-ministros que discursarão na cúpula — 26 deles, incluindo Bolsonaro, o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Xinping e o próprio Biden, na sessão de abertura —, líderes como o Papa Francisco, o secretário-geral da ONU, António Guterres, e empresários como Bill Gates, fundador da Microsoft também falarão.

Horas de pois de Bolsonaro, falará também outra voz brasileira, a de Sinéia do Vale, indígena da etnia Wapichana, que representará o Conselho Indígena de Roraima.

Ontem, em reunião com empresários, Salles reconheceu que muitos deles têm preocupações com a imagem do Brasil por questões ambientais, mas reforçou a tese de que o país tem feito mais pelo tema que muitas nações que atacam o governo federal. Governo apresentará plano em ‘cinco eixos’ contra desmatamento, mas não sua execução.

DESMATAMENTO RECORDE

Ao defender a ajuda de US$ 1 bilhão ao Brasil, Salles diz que, com o valor, seria possível reduzir entre 30% e 40% o desmatamento na Amazônia em 12 meses.

O histórico do governo Bolsonaro, contudo, acende o alerta sobre as promessas que vêm de Brasília. Segundo dados do sistema Prodes, do governo, que realiza o monitoramento por satélites do desmatamento na Amazônia Legal, as taxas oficiais de devastação nos dois primeiros anos de Bolsonaro foram as mais altas desde 2008. Em 2019, foram 10.129 km² desmatados, e em 2020, 11.088 km².

Na última semana, o então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva enviou uma notícia-crime contra Salles por favorecimento a madeireiros. No dia seguinte, a PF anunciou sua substituição.

O orçamento do Ministério do Meio Ambiente previsto para 2021 também é o menor desde o início do século. Além disso, houve uma redução nos recursos destinados para o Ibama, de 29,1%, e para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) , de 40,4%. No Ibama, há um déficit de, no mínimo, 500 fiscais.

O Brasil recebeu recursos da ONU por reduzir o desmatamento entre 2014 e 2015 e doações da Noruega e da Alemanha, mas elas tiveram sua aplicação congelada após a extinção de comitês gestores pelo governo.