O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Economia, p. 20

 

Orçamento: acordo não evita shutdown, diz economista
Fernanda Trisotto
22/04/2021

 

 

 

O acordo entre governo e Congresso para a sanção do Orçamento é insuficiente para cobrir o buraco de R$ 39,7 bilhões em despesas de custeio e não estourar o teto de gastos, a regra que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Os cálculos foram feitos pelo economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, que produziu nota técnica sobre o assunto. Segundo ele, nos moldes do acordo fechado, o país ainda corre risco de enfrentar um shutdown, a paralisia dos serviços públicos.

O Orçamento de 2021 precisa ser sancionado até hoje. Após semanas de impasse, foi fechado um acordo que preserva R$ 18,5 bilhões em emendas, com uma proposta que altera as diretrizes do Orçamento este ano. A mudança permite que o Executivo faça ajustes no texto mais facilmente, viabilizando a reedição do Pronampe, para crédito a empresas, e do programa de manutenção de emprego e renda (BEm).

Mendes aponta que 2021 será um ano de execução orçamentária muito difícil. A tendência é jogar mais gastos públicos para fora do limite do teto, o que pressionaria a dívida pública, e fazer bloqueios em despesas que vão afetar o funcionamento da máquina pública.

— O grande problema para fechar o Orçamento é o excesso de emendas, que nada mais é do que a captura do Orçamento por interesses eleitorais e paroquiais dos parlamentares —afirmou Mendes.

—O Congresso deu preferência às prioridades dos parlamentares em detrimento das prioridades do país, que claramente são o tratamento da crise sanitária sem gerar estresse na dívida pública.

O pesquisador frisa que, se não tivessem sido negociadas emendas parlamentares acima do mínimo obrigatório — seriam R$ 17 bilhões em emendas individuais e de bancadas, que são impositivas

—, haveria uma folga orçamentária maior. O governo teria disponível R$ 32,2 bilhões para cobrir o buraco de quase R$ 40 bilhões, o que praticamente resolveria o problema.

Para chegar a esse rombo, o pesquisador partiu do limite de despesas fixado pelo teto de gastos e listou os gastos obrigatórios.

RISCO DE ESTAGFLAÇÃO

Com isso, o governo teria disponibilidade de R$ 49,3 bilhões para as demais despesas, mas precisaria de, ao menos, R$ 89 bilhões, considerando o padrão de gastos com despesas de custeio e investimentos feitos no ano passado.

Para cobrir esse rombo e não estourar o teto, o governo terá de promover bloqueios em despesas e remanejar recursos. Mendes aponta que os cancelamentos em emendas parlamentares não obrigatórias apenas diminuiriam o tamanho do buraco.

Para isso, outras ações teriam de ser adotadas. No texto, Mendes cita quatro medidas que foram levantadas como alternativas, que resultariam em mudanças que vão do Bolsa Família até o auxílio-doença. Juntas, elas renderiam R$ 30 bilhões. O problema, segundo o economista, é que as negociações não indicam que todas elas seriam usadas. Na prática, a conta continuaria a não fechar. Para ele, este cenário eleva o risco de shutdown, a paralisação da máquina pública:

— Um dos riscos dessa negociação é, justamente, jogar parte grande do ajuste sobre as despesas discricionárias (não obrigatórias) de manutenção da máquina para preservar as emendas. Corremos o risco de ter serviços públicos parados, mas um monte de pracinhas e quadras esportivas inauguradas no interior do país.

Para Mendes, como o governo foi ineficaz na prevenção de problemas na saúde e na economia, agora terá degastar mais para custear políticas de socorro. Segundo ele, isso terá um custo, pois vai aumentara dívida pública, que já esta excessivamente alta. O resultado, nos cálculos do economista, será acentuaras aída de capital e ades valorização do real, além de pressionara inflação e reduzir investimentos.

— Estamos no limiar de entrar em mais uma década de estagflação —alertou.