O Globo, n. 32034, 21/04/2021, País, p. 7

 

Contestação de atos do Executivo no STF bate recorde sob Bolsonaro
Rayanderson Guerra
21/04/2021

 

 

 

Em dois anos de mandato, o governo do presidente Jair Bolsonaro já acumulou contra si mais ações de partidos políticos no Supremo Tribunal Federal (STF) do que todos os processos ajuizados por legendas no mesmo período dos dois mandatos dos expresidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e no governo de Michel Temer juntos. Noto tal,Bol sonar o foi alvo de 195 questionamentos na Justiça, enquanto seus antecessores responderam juntos a 144, aponta levantamento feito pelo GLOBO.

Sem maioria na Câmara e no Senado, as siglas de oposição a Bolsonaro como PT, PSB, Rede, PCdoB, PSOL e PDT já recorreram à Justiça contra os principais projetos e medidas apresentados em sua gestão por meio de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ou Ações Diretas de Inconstitucionalidade( ADI )— instrumentos que questionam leis, decretos, medidas provisórias e portarias do governo.

A “oposição jurídica” a Bolsonaro é capitaneada pela Rede, com 49 ações, seguida por PSB (38), PDT (33) e PT (29). O revés judicial mais recente ao presidente foi imposto pela ministra Rosa Weber. Ela suspendeu na semana passada, em decisão individual, trechos dos quatro decretos sobre porte e posse de arma, editados pelo presidente em fevereiro, numa açã ode PS B, P SOL, Redee PT. Além de Rosa, o ministro Edson Fachin tambémvot ou pela suspensão. Alexandre de Moraes pediu vista.

CONTESTAÇÃO JUDICIAL

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, diz que a contestação judicial é uma necessidade porque o Parlamento se recusa a fazer política e, muitas vezes, se prende a medidas inconstitucionais.

—Quando o presidente vai além de sua competência é um dever dos partidos recorrer à Justiça. O Parlamento se renuncia a fazer política, e a Constituição nos garante esse direito. O governo tem tendência autoritária. Tem dificuldade de se moldar à atividade política e tende a ter medidas, tanto decretos, quanto medidas provisórias inconstitucionais. Não deixaremos passar—afirma.

As ADIs questionam leis e atos federais ou estaduais que sejam contrários à Constituição. Já as ADPFs são usadas quando um ato ou lei do poder público fere um preceito fundamental da Constituição, como as cláusulas pétreas.

As legendas conseguiram ainda impor limites ao compartilhamento de dados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e garantiram a autonomia para que estados e municípios imponham medidas de isolamento social para conter a Covid-19. No início do governo, o STF manteve a demarcação de terras indígenas no escopo da Funai.

A“chuva” de ações dos partidos de oposição levantam a discussão sobre a judicialização de medidas e atos políticos. O atual presidente da Corte, Luiz Fux, criticou em 2020 as ações das siglas. Para Fux, o Parlamento tem de “resolver os seus próprios problemas”.

“O Poder Legislativo coloca no colo no Supremo a solução de várias questões que dizem respeito ao Parlamento, porque muitas vezes o Parlamento não quer pagar o preço social de uma deliberação”, disse.

Com a maior bancada no Congresso, o PT foi responsável por 29 ações no STF. Em meio à escalada de mortes e casosdeCovid-19,opartidofoi à Justiça para que Bolsonaro responda acusações de omissão do governo na contenção da pandemia e, em outra ação, explique vetos do presidente a um projeto de lei sobre a exigência de uso de máscaras em espaços públicos e privados.

Para a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, as medidas judiciais não representam uma judicialização e omissão da política:

— Não é judicialização da política, mas usar instrumentos legais para barrar medidas que acreditamos ferir leis e a democracia. Estamos trabalhando com ações concomitantes, tanto na Justiça quanto com ações legislativas.

Para o cientista político Paulo Baía, da UFRJ, são dois os fatores que podem explicar as ações: governar por decretos e a desmoralização das siglas após eleição de 2018:

—O governo Bolsonaro passou a governar, essencialmente, por decretos, substituindo o Poder Legislativo. Os partidos de oposição, atordoados com a eleição de 2018, passaram a acionar o Supremo contra as medidas. Apesar de eficaz em determinados pontos, a judicialização tira do Legislativo a capacidade de regular as atividades da sociedade.