O Globo, n. 32033, 20/04/2021, Mundo, p. 23

 

Entrevista - Fernando Collor: “a mudança tem que começar com o presidente” 
Fernando Collor
Leandro Prazeres
20/04/2021

 

 

 

Em junho de 1992, o hoje senador Fernando Collor (PROS-AL) tinha dois grandes desafios: enfrentar a crise política que ameaçava seu governo e ser o anfitrião da Rio-92, a maior e mais importante conferência da ONU sobre meio ambiente até então. Se, na política interna, ele enfrentou reveses que levaram ao seu impeachment em dezembro daquele ano, na conferência o presidente e sua equipe foram considerados bem-sucedidos. Nos anos seguintes, o Brasil virou um dos atores principais nas discussões sobre mudanças climáticas. É desse ponto de vista que Collor, de quem Bolsonaro é próximo, analisa a posição do país antes da cúpula convocada por Biden.

Como o presidente Bolsonaro pode evitar se transformar no vilão da cúpula?

Trata-se de uma tarefa árdua e que vai demandar esforço muito grande do governo federal no sentido de se reposicionar como um protagonista confiável e um parceiro aceitável, porque a comunidade internacional está muito atenta à questão ambiental. A partir de 1992, o Brasil assumiu um protagonismo positivo na discussão ambiental. Infelizmente, de uns anos para cá, essas contenções que havia no governo brasileiro para evitar, por exemplo, propagação das queimadas, aumento dos garimpos, ameaças a comunidades indígenas, tudo isso foi relaxado aos poucos, e com isso o Brasil foi perdendo o protagonismo.

Esse processo se acentuou no governo Bolsonaro?

Sim. Não se pode dissociar a política externa de um país da sua política estratégica de meio ambiente. O mundo espera por um Brasil que respeite os compromissos que o próprio país assinou.

Recentemente, o ministro Ricardo Salles se manifestou contra a maior apreensão de madeira ilegal já ocorrida na Amazônia. Salles é ruído ou solução?

Os ministros não são ministros autônomos. Eles obedecem a uma orientação do presidente. Então, é necessário que o presidente se reposicione diante da situação extremamente incômoda, pra dizer o mínimo, na qual o Brasil se encontra. Essa mudança tem que começar, sem dúvida alguma, com uma reorientação do presidente.

Se o presidente não fizer essa reorientação, o Brasil corre o risco de virar um pária internacional?

Sem dúvida alguma, o Brasil corre o risco de virar um pária internacional. Posição que o Brasil já está vivenciando, se não na sua plenitude, mas no início, seja pelos desacertos da política externa, com sua aproximação excessiva do governo do ex-presidente Donald Trump, seja com os problemas havidos com a China, com a França. Foram criados diversos pontos de dificuldades onde antes não havia. É preciso fazer essa reorientação sob pena de estarmos alijados do mundo.

É possível conciliar a pressão internacional e os interesses de parte do eleitorado do presidente?

É possível sim. Eu fui eleito em 1989 com apoio muito forte do agronegócio e também de garimpeiros.

O presidente já disse que as críticas são resultado do protecionismo. O senhor acredita nessa tese?

O protecionismo, sobretudo o europeu, realmente existe. Ele tem razão quando fala no protecionismo, especialmente o da França, que é muito duro.

O Brasil vem fazendo o seu dever para evitar esse tipo de cobrança?

O Brasil está dando motivo. Hoje, essas críticas contra a nossa política ambiental não são resultado apenas da pressão dos governantes europeus. Os próprios cidadãos cobram os seus governantes para não importarem mercadorias produzidas às custas do desmatamento.

Salles pede recursos estrangeiros que seriam usados no combate ao desmatamento. A comunidade internacional tem condições de confiar recursos ao Brasil?

Não. E não terá condições enquanto o Brasil não apresentar um plano robusto e amplo de combate ao desmatamento. Se o Brasil chegar à conferência pra dizer “me manda dinheiro que nós vamos começar a trabalhar pra nos adequarmos às metas que nós mesmos assumimos”, nada será resolvido.