O Estado de São Paulo, n. 46488, 27/01/2021. Metrópole, p A16.

 

TCU investiga gastos com cloroquina

Rayssa Motta 

Mateus Vargas

27/01/2021

 

 

Tribunal dá cinco dias para Ministério da Saúde explicar uso de recursos do SUS em remédios sem eficácia cientificamente comprovada

O Ministério da Saúde tem cinco dias para prestar informações ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o uso de recursos do Sistema Único de Saúde na distribuição de cloroquina e hidroxicloroquina para tratar pacientes diagnosticados com o novo coronavírus. A ordem partiu, na sexta-feira, do ministro Benjamin Zymler.

O ministro atendeu a uma auditoria feita pela área técnica do tribunal, que apontou ilegalidade no custeio dos remédios sem eficácia comprovada para uso contra a covid-19. Apesar da ausência de validação científica, o presidente Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, apostaram nos medicamentos como estratégia de tratamento precoce contra o vírus.

No despacho, Zymler afirma que os remédios só poderiam ter sido fornecidos pelo SUS para tratar a doença se houvesse autorização da Anvisa ou de autoridade sanitária estrangeira. A prescrição desses fármacos contra a covid19 é rejeitada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). "Verifica-se não haver amparo legal para a utilização de recursos do SUS para o fornecimento desses medicamentos com essa finalidade, diz um trecho do oficio.

Na avaliação do ministro, os esclarecimentos devem ser prestados na esteira da mudança do discurso de Pazuello. Após meses de defesa e entrega em massa dos medicamentos pelo governo federal, o general afirmou que a pasta nunca orientou o “tratamento precoce" 'e sim o “atendimento precoce” dos pacientes. “Nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos”, disse no último dia 18.Segundo observou Zymler, a posição e' “contraditória” em relação a orientações e documentos emitidos pelo próprio ministério.

O ministro do TCU também pediu explicações sobre o aplicativo TrateCOV, lançado pelo governo federal para acelerar o diagnóstico da covid-19. O tribunal quer a indicação dos responsáveis pela plataforma, a descrição do funcionamento, a “base médico-científica” para seu uso e se está prevista sua reativação.

O aplicativo, que recomendava antibióticos, cloroquina e ivermectina até para bebês, foi tirado do ar na quinta-feira passada. No dia seguinte, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma frente de apuração sobre o sistema.

Contaminação em alta. Em Manaus, onde se instalou no sábado para coordenar o enfrentamento da covid-19, Pazuello disse ontem que o aumento de contaminações e internações foi “uma situação completamente desconhecida para todo mundo”. E, em resposta ao Supremo Tribunal Federal  - que decidiu

investigá-lo pela atuação no colapso de saúde na capital amazonense — o ministro voltou a dizer que agiu para amenizar a crise e que o papel do ministério é

somente de “apoio”.

“Tivemos salto da contaminação, triplicando o número de contaminados. Foi uma situação completamente desconhecida para todo mundo. Foi muito rápido”, argumentou o ministro, em evento de “reinauguração” do hospital Nilton Lins, que teve a capacidade de atendimento ampliada. Pazuello apontou a variante da covid-19 detectada em Manaus como possível causa para o aumento das contaminações. A nova cepa, acrescentou, está sendo estudada no Brasil e pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.

“Mandamos todo o material coletado para a Inglaterra, para que se tenha uma posição exata sobre grau de contaminação e agressividade da nova cepa”, avisou, dizendo que a tendência é se constatar que ela “contamina mais, mas com grau de agressividade semelhante à anterior”. “Mas é no número de contaminados, na propagação, que faz a diferença.”

O fornecimento de oxigênio para o Amazonas, motivo de situações dramáticas na semana passada, segundo ele, foi “equalizado”. Disse ainda que mais de 300 pacientes foram transferidos a outros Estados e o objetivo “é chegar em torno de 1,5 mil pessoas removidas”.

A postura de Pazuello e de sua equipe na cidade levou a Procuradoria da República no Amazonas a abrir inquérito civil para apurar se houve falha no apoio ao Estado, que entrou em colapso, e opção por indicação de “tratamento precoce com eficácia questionada”. Ainda não se definiu até quando o ministro ficará na cidade.  

Ajuda externa

1.500

é a meta de pessoas com covid-19 a serem levadas do Amazonas para se tratar em outros Estados, segundo o ministro da Saúde. Dos quais 300 já foram transferidas.

PARA LEMBRAR

Aplicativo até para bebês

O aplicativo Tratecov, lançado pelo Ministério da Saúde para orientar o enfrentamento da covid-19, recomendou o uso de antibióticos, cloroquina, ivermectina e outros fármacos para náusea e diarreia ou para sintomas de uma ressaca, como fadiga e dor de cabeça. A lista de medicamentos – sugerida pela plataforma – só pode ser recomendada por médicos, para qualquer soma de dois sintomas, mesmo se o paciente não saiu de casa ou teve contato com algum infectado nas duas últimas semanas. Como mostrou o Estadão, a indicação de uso de cloroquina e antibiótico podia ser feita até a um recém-nascido com diarreia e fadiga, pois a idade não interfere na pontuação apresentada pelo aplicativo.