O Estado de São Paulo, n. 46489, 28/01/2021. Política, p. A10

Do 'anti-Davos' à perda de protagonismo
Matheus Lara
Paula Reverbel
28/01/2021



“Marcha virtual”. Fórum Social Mundial completa 20 anos com evento online sem líderes da esquerda

O Fórum Social Mundial (FSM) – cuja vigésima edição começou no dia 23 e vai até sábado, em formato online – já chegou a ter, em sua grade de 2009, um painel com cinco presidentes em exercício da América Latina. Recebia tratamento na imprensa como um grande encontro "antidavos", capaz de fazer frente às ideias propagadas pelo Fórum Econômico Mundial, que ocorre na cidade suíça nesta época do ano. Neste ano, porém, até a participação remota do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi cancelada por que ele ainda estava, segundo a organização, "abatido" após se recuperar do coronavírus.

Enquanto a edição de 2009 do FSM contou com um painel em que Lula sentou-se com Hugo Chávez (Venezuela), Fernando Lugo (Paraguai), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) para falar de rumos da América do Sul e alternativas ao modelo capitalista, a edição de 2021 não traz presidentes e ex-presidentes em sua grade. O número de participantes, que já alcançou 100 mil em outras edições, agora chegou a 6 mil, considerando inscritos até o início do evento.

Na visão da cientista política Ana Prestes, cuja tese de doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é sobre o FSM, o encontro anual vem perdendo relevância desde 2009 e atualmente ficou estereotipado como um isolado encontro das esquerdas. "Quando ele surgiu, a imprensa cobria tanto o fórum de Davos quando o Fórum Social Mundial. A gente via, pelos jornais, que se falava dos dois encontros. Era realmente o 'anti-davos', realmente era visto assim. Hoje ele não tem mais essa força", afirmou Ana.

Ela aponta cinco motivos para a queda de relevância, inclusive um de fundo econômico: a crise mundial de 2008 afetou financeiramente as ONGS que ajudavam a organizar o Fórum, levando a uma queda do viajantes que vinham da Europa assim como a verba de projetos associados ao encontro. "É como se tivesse secado a torneira de financiamento dos Estados Unidos e da Europa", disse.

Neste ano, os eixos temáticos do Fórum vão de assuntos ligados ao clima e meio ambiente a feminismo, justiça econômica e povos originários. O evento de abertura foi seguido de uma "marcha virtual", que substituiu a tradicional marcha presencial, em que foram apresentados vídeos e depoimentos de movimentos por justiça social e econômica ao redor do mundo.

Um dos idealizadores do Fórum, Oded Grajew minimizou a questão da relevância do evento em si, salientando a relevância dos trabalhos realizados no encontro. Também citou ao Estadão os frutos colhidos a partir da existência, há vinte anos, de um contraponto a Davos. "O que é importante no Fórum Social Mundial não é aparecer ou ser mais relevante", afirmou. "O importante é a relevância que ele gera, ele é o meio para os temas levantados, as denúncias citadas e a articulação que o encontro gera."

Grajew lembra que, quando o Fórum Social Mundial passou a ser realizado, prevalecia o entendimento de que a economia livre de amarras e regulações seria o caminho para propiciar bem-estar a todas as pessoas. "Chegavam a dizer que a humanidade tinha chegado ao fim da História, tinha alcançado o modelo (de funcionamento) ideal para o mundo", disse.

"Hoje em dia, ninguém vai advogar que a economia livre de todas as regras terá esse efeito. O assunto das desigualdades está mais visível do que nunca, assim como a questão ambiental e as ameaças à democracia. Inclusive foram esses os grandes eixos da campanha do Joe Biden", concluiu, citando o novo presidente dos Estados Unidos.