Título: Além do Fato: A responsabilidade social nas empresas
Autor: Pedro Luiz Passos
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2005, Economia, p. A18

É cada vez maior a mobilização da comunidade empresarial em torno dos conceitos e práticas da responsabilidade social. Centenas de organizações em diversos países apóiam o Pacto Global das Nações Unidas, que propõe a adoção de valores fundamentais nas áreas de direitos humanos, direitos do trabalho, proteção ambiental e combate à corrupção. Cerca de 900 empresas no Brasil são hoje associadas ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, sendo boa parte companhias pequenas ou médias. Aos poucos cresce o entendimento de que a responsabilidade social não é um movimento passageiro, um modismo corporativo ou um conjunto de ações de caráter compensatório a serem adotadas nas empresas. É, sim, uma resposta consistente do setor empresarial à necessidade de contribuir para a transformação da sociedade em direção ao desenvolvimento sustentável, criando um modelo que alie o desenvolvimento econômico às necessidades sociais e ambientais. Está ficando também mais claro que as empresas precisam lidar, de forma ética e transparente, com um número maior de stakeholders do que estão tradicionalmente habituadas ¿ como acionistas e colaboradores.

Em termos práticos, esse entendimento é um dos principais desafios para as empresas. Trazer a responsabilidade social para o coração da estratégia e da gestão exige enorme comprometimento. Um documento elaborado pela consultoria inglesa SustainAbility para o Pacto Global relatou as principais dificuldades que ainda precisam ser vencidas pelo movimento da responsabilidade social empresarial. Entre elas, o fato de que as ações das organizações ainda são muito descoladas do negócio e fragmentadas. Fato que pode ser comprovado por uma pesquisa realizada pelo Instituto Akatu com 1.520 empresas no Brasil em maio de 2004. Apenas 13% das empresas afirmaram possuir ações consolidadas nas sete áreas consideradas: valores e transparência, consumidores/clientes, meio ambiente, público interno, fornecedores, comunidade e governo. Entre as grandes empresas, 25% afirmaram não ter ações implantadas em qualquer área.

A Natura entende a responsabilidade social como uma forma de gestão baseada na relação ética e transparente com os seus públicos e vem perseguindo a integração entre suas ações ¿ e delas com o negócio. Um exemplo é a utilização da biodiversidade brasileira como plataforma tecnológica. Esse processo, que envolve a valorização da sócio-diversidade por meio do relacionamento com comunidades tradicionais, começou com uma linha de produtos e deve se expandir para outras. Além disso, estamos buscando a inovação onde ela é mais fundamental: na gestão. Acreditamos que as empresas inovadoras serão aquelas que conseguirem incorporar a responsabilidade social em cada decisão e em cada processo, permitindo que eles sejam acompanhados e avaliados.

Temos algumas experiências em andamento que fazem mais parte de um longo aprendizado do que de modelos prontos. Acompanhamos o investimento e as ações destinados a cada público, de forma a conseguir uma visão global e integrada de nossas práticas. Incorporamos as três dimensões do desenvolvimento sustentável ao nosso mapa estratégico e hoje todas as áreas da empresa possuem metas não só econômico-financeiras como também sócio-ambientais. E estamos avançando na implementação de um sistema de gestão que possibilite identificar os aspectos e impactos relevantes na construção de relações de qualidade com os públicos. Esforços assim têm sido cada vez mais reconhecidos na sociedade. No roadshow que antecedeu a abertura de capital da Natura, um grande número de investidores ressaltou nosso compromisso com a sustentabilidade como um destaque. Também avança entre os consumidores o reconhecimento positivo das empresas socialmente responsáveis.

As edições do Prêmio Nacional pela Qualidade demonstram que as organizações de excelência há tempos colocam a responsabilidade social e a ética como fator mais importante de desempenho do que o cumprimento das obrigações legais. Essas empresas demonstram excelência também em outros fatores críticos para a responsabilidade social, como liderança e constância de propósitos, visão de futuro, inovação e aprendizado organizacional. Os fundamentos do prêmio estimulam as empresas a estabelecer um processo contínuo de planejamento e pensamento estratégico, visando não só gerar valor e alcançar resultados sustentáveis para a organização, mas também para a sociedade. A incorporação da responsabilidade social à gestão dá relevância às ações da empresa, fortalece o relacionamento com as partes interessadas e causa um impacto positivo nos negócios. Seu principal benefício é a ampliação das condições de perpetuação do negócio e a contribuição para construir um mundo melhor.