O Globo, n. 32021, 08/04/2021, Economia, p. 16

 

Disputa com ágio de 3.822%
Ivan Martínez-Vargas
08/04/2021

 

 

 

O governo federal arrecadou R $3,3 bilhões em outorgas coma concessão de 22 aeroportos do país, com ágio médio de 3.822% em relação ao patamar mínimo previsto no edital. O leilão foi realizado em meio à maior crise da história do setor aéreo, afetado pela redução no volume de passageiros em razão da pandemia. Analistas destacaram a disputa pelos lotes—que mesclavam terminais mais rentáveis com outros considerados menos atraentes para os investidores —, mas avaliam que a União pode ter subestimado o valor dos terminais, alternativa que o governo nega. A outra hipótese é que os vencedores tenham feito avaliação demasiadamente otimista.

Diante da crise no setor, o governo reduziu os valores de outorga de R$ 609,7 milhões para R$ 189,9 milhões. Os vencedores do leilão terão de investir R$ 6,1 bilhões ao longo dos contratos, que têm duração de 30 anos.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, disse que o resultado superou expectativas, mesmo tendo atraído menos empresas que em certames anteriores. Ele já havia citado que um dos fatores que favoreceriam o leilão era a alta do dólar, que deixa ativos brasileiros mais em conta.

— Diziam que a gente era louco de colocar projetos (em leilão) em meio à pior crise do setor aeroportuário. Temos de ter ousadia. Muitos deram passos para trás, o que nos torna quase exclusivos, temos que aproveitar o excesso de liquidez lá fora — disse Freitas, destacando que mais importante que o ágio são os investimentos previstos.

O leilão atraiu consórcios formados por operadores estrangeiro seque ainda não atuam no país, masa concessionária C CR foi a maior vencedora da disputa com lances agressivos. Ela arrematou dois dos três blocos.

A CCR vai administrar o lote Sul, o mais cobiçado por ser considerado de maior potencial turístico, que inclui Curitiba, Navegantes e Foz do Iguaçu. A concessionária fez oferta de R$ 2,128 bilhões, o que significa ágio de 1.534%. A previsão de investimentos nos nove termina isque compõem o lote é de R$ 2,85 bilhões. Também fizeram lances a espanhola A ena e o consórcio formado pela gestora de fundos Pátria e o Aeroporto de Houston.

A empresa levou ainda o lote Central, que inclui o terminal de Goiânia. Era considerado o menos promissor entre os lotes, mas a CCR fez oferta de R$ 754 milhões, o que representa ágio de 9.156%. O investimento previsto ao longo dos 30 anos do contrato é de R$ 1,8 bilhão. Também fizeram ofertas as concorrentes Inframérica e Socicam.

‘RISCOS E POSSIBILIDADES’

De acordo com especialistas, os resultados do leilão mostram que empresas que já administram um terminal no país buscaram expandir sua atuação. É oca soda C CR, que tem a concessão do Aeroporto de Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Mauro Cauduro, diretor executivo da CCR, avalia que a pandemia deve afetar as receitas apenas nos primeiros anos do contrato:

—O ágio é o reconhecimento dos risco sedas possibilidades de desenvolvimento de negócios do projeto. Esse é um contrato de 30 anos, dos quais os anos iniciais, em função da pandemia que vivemos, pouco explicarão a trajetória de demanda em 30 anos. Sabemos a qualidade profunda que esses ativos têm.

A companhia mantém interesse em ativos previstos para serem concedidos neste ano. Na área rodoviária, o mais importante é a Nova Dutra, administrada pela CCR, cuja concessão acaba este ano. No ramo ferroviário, há o leilão das linhas 8 e 9 da CPTM, em São Paulo.

Afrancesa Vinci, que já administra o aeroporto de Salvador, foi a vencedora do bloco Norte, formado por sete aeroporto seque tem como principal ativo Manaus. Segundo  analistas, neste caso o maior potencial a explora ré o transporte de cargas. A Vinci fez oferta de R $420 milhões, com ágio de 777% em relação à outorgamínima, e vai investir R$ 1,48 bilhão durante o contrato. Afrancesa AD P também fez um lance pelo bloco.

O diretor-presidente do Salvador Bahia Airport, Julio Ribas, afirma que a concessionária continua com apetite para investir no setor. Em 2022, o próximo leilão previsto é odos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, considerados as joias da coroa ainda sob a gestão da Infraero.

—O valor que oferecemos é tradução imediatado potencial que agente vê no lote Norte. Quantos países têm uma fronteira com uma área com tanto ainda por explorar de forma sustentável como esses quatro estados? — disse o executivo, que também vê potencial para explorara conexão emvo os doBr asil para América Central, América do Norte e Caribe.

GANHO DE ESCALA

Segundo Rodrigo Campos, sócio do escritório Porto Lauand, as duas vencedoras mostram que é preciso obter ganho de escala para maximizar o retorno na administração de aeroportos no país:

— Qualquer negócio de concessões, mas o de aeroportos em especial, precisa de escala. O grupo CC Restava restrito, no Brasil, a Confins. Não se dá lances desta magnitude sem um lastro de conhecimento consistente. A CCR é líder no Brasil em rodovias e em mobilidade urbana, precisava crescer em aeroportos.

Para Marcelo Valença, da Valisa Business Intelligence, o governo subestimou o preço dos ativos em leilão, o que contribuiu para elevar os ágios:

—Houve mais erro de precificação por parte do governo, que, no desespero de não errar, baixou o preço. Essa malha aeroportuária é importante pois tem pontos logísticos avançados, permite desenvolvimento do transporte de cargas de alto valor agregado, é oportunidade para o e-commerce.

O presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Juliano Alcântara Norman, diz que não houve erro na definição de preço:

— No nosso modelo, o governo coloca suas premissas e estipula lance mínimo, mas os valores pagos têm uma parte diluída ao longo do contrato por meio de uma outorga variável, que vai ser paga todo ano a partir do quinto ano, e sobe até o nono ano, quando se estabiliza—afirmou .

— É um modelo que dá ao privado um incentivo para buscar essa agressividade, novos negócios, e o governo participa dos ganhos. É um ganha-ganha. É um modelo sofisticado, não erramos.