O Globo, n. 32021, 08/04/2021, País, p. 10

 

Assessor da presidência presta depoimento e deve ser indiciado 
Julia Lindner
08/04/2021

 

 

 

O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, prestou depoimento ontem à Polícia Legislativa do Senado por ter feito um gesto associado a supremacistas brancos durante uma sessão parlamentar, em março — o sinal também pode ser interpretado como um xingamento obsceno. De acordo com interlocutores ligados ao comando do Senado, Martins não acrescentou informações novas às investigações, e a expectativa é que ele seja indiciado.

O procedimento faz parte da abertura de uma apuração interna sobre o caso, determinada no mês passado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). As etapas são semelhantes às que ocorrem na Polícia Civil, com possíveis desdobramentos, como apresentação de denúncia à Justiça.

Interlocutores que acompanham a investigação relatam que o assessor pode ser enquadrado no artigo 20 da Lei 7.716, que dispõe sobre “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. A pena, neste caso, pode ser de um a três anos de prisão, além de multa. O fato de Martins ter sido filmado ao fazer o gesto, com transmissão ao vivo pela TV Senado, pode ser um agravante.

Após o episódio, o assessor negou ter simpatia por movimentos de supremacia branca. De acordo com interlocutores do Senado, ele reforçou o mesmo posicionamento em depoimento à polícia e justificou que estava apenas ajeitando o terno.

“TRABALHO SÉRIO”

“Um aviso aos palhaços que desejam emplacar a tese de que eu, um judeu, sou simpático ao ‘supremacismo branco’ porque em suas mentes doentias enxergaram um gesto autoritário numa imagem que me mostra ajeitando a lapela do meu terno: serão processados e responsabilizados; um a um”, escreveu Martins em março.

Na ocasião, o assessor, que estava sentado atrás do presidente do Senado durante uma sessão parlamentar, fez com a mão um gesto — juntando os dedos polegar e indicador em um círculo e deixando os outros três dedos esticados — que no Brasil, com os dedos para baixo, é um xingamento, e em países como os Estados Unidos, com os dedos para cima, como “OK”, é associado às letras W e P, de White Power (poder branco).

Apesar da pressão de diversos senadores pela demissão de Martins, o presidente Jair Bolsonaro não indicou qualquer disposição para exonerar o auxiliar. Pacheco, na ocasião, também criticou a conduta do assessor: “Senado não é lugar de brincadeira, é lugar de trabalho (...) Ali (na sessão) era um trabalho muito sério que nós estávamos desenvolvendo. Não pode esse tipo de conduta estar presente num ambiente daquele”.