O Globo, n. 32021, 08/04/2021, País, p. 5

 

Gilmar critica Mendonça e Aras em julgamento
André de Souza
08/04/2021

 

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem contra abertura de igrejas e templos durante a pandemia do coronavírus. O julgamento do qual ele é relator será retomado no plenário hoje e ocorre em meio ao registro de recorde de mortes pela Covid-19 no Brasil. Antes de dar seu voto, ele criticou o advogado-geral da União, André Mendonça (ex-ministro da Justiça), e o procurador-geral da República, Augusto Aras, que defenderam, durante a sessão virtual, a realização de missas e cultos sob adoção de protocolos sanitários. Com o posicionamento, Aras e Mendonça, que disputam a vaga que será aberta no STF coma aposentadoria de Marco Aurélio Mello, acenam a evangélicos.

Mendonça, que também é pastor presbiteriano, disse ontem que a Constituição brasileira não “compactua” com o fechamento das igrejas e restrição a manifestações públicas de fé e ainda citou atividades e situações para as quais não foram adotadas medidas restritivas, como o transporte público:

— Por que somente as igrejas? Por que essa discriminação?

O AGU argumentou que os cristãos defendem avida,re conhecemos perigos da doença e sabem que devem tom aros cuidados necessários.

— Não estamos travando um debate entre avida e amor te — pontuou Mendonça. — Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismos e maca sade Deus, sem o dia do Senhor. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais amatar por sua fé, mas estão sem predispostos a morrer para garantira liberdade de religião e de culto.

Gilmar lembrou dados que mostram a sobrecarga no sistema de saúde:

—Os fatos parecem incontestáveis. Diante da eloquência dos fatos e da gravidade da situação, migra para o domínio do surreal a narrativa de que a interdição temporária de eventos coletivos e templos religiosos teria algum motivo anticristão. É a gravidade dos fatos também que nos permite ver o quão necessário é desconfiarmos de uma espécie de bom-mocismo constitucional, muito presente em intervenções judiciais aparentemente intencionadas em fazer o bem.

O magistrado ainda rebateu a falade Mendonça:

—Se fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente do transporte coletivo, e falado problema do transporte aéreo com acumulação de pessoas. Eu poderia ter entendi doque Sua Excelência teria vindo ago rapara a tribunal do Supremo de uma viagem a Marte, e estava descolado de qualquer responsabilidade institucional com qualquer assunto no Brasil. Mas verifiquei que era ministro da Justiça até recentemente e tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas. À União cabe legislar sobre trânsito e transporte. Me parece que está havendo aí um certo delírio nesse contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma sua responsabilidade. É preciso ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém. Até porque os bobos ficaram de fora da Corte.

Gilmar avaliou também que o Brasil está “numa situação altamente constrangedora” diante do resto do mundo:

—Hoje nós estamos como queria o ex-chanceler Ernesto Araújo, que nos transformássemos num pária internacional. Ele produziu essa façanha. Nos tornamos esse pária internacional no âmbito da saúde.

Em seu pronunciamento, Augusto Aras afirmou que razão e fé caminham juntas para assegurar saúde física, mental e espiritual, para defender a abertura de igrejas e templos.

— É necessário relembrar o lugar da religião num Estado democrático de direito, e ter presente que o estado é laico, mas as pessoas não são —disse o PGR.

ENTENDIMENTO DA CORTE

Gilmar criticou a tentativa de Aras tirar o processo dele e enviá-lo para o gabinete do ministro Nunes Marques, que é favorável à abertura das igrejas. Para Gilmar, Aras flerta com a deslealdade judicial, beirando a litigância de má-fé.

No sábado, de forma monocrática, Nunes Marques, decidiu sobre a liberação da realização de cultos e missas. Cabe agora ao plenário fixar um entendimento sobre o caso, ou seja, se mantém ou não a permissão para que estados e prefeituras estabeleçam restrições a cerimônias religiosas como forma de combater a pandemia.