O Globo, n. 32021, 08/04/2021, País, p. 4

 

Mudança a caminho
Adriana Mendes
Paulo Cappelli
08/04/2021

 

 

 

Em meio ao uso frequente da Lei de Segurança Nacional (LSN) pelo governo contra críticos do presidente Jair Bolsonaro e de ações no Supremo Tribunal Federal( STF) contestando a norma, cri adana ditadura militar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou ontem que colocará em votação um projeto que altera a legislação.

O texto, que está a cargo da deputada Margarete Coelho (PP-PI), terá como base uma proposta levada à Casa em 2002 por Miguel Reale Júnior, então ministro da Justiça da gestão de Fernando Henrique Cardoso. O principal objetivo é separar o que de fato configura crime, por se enquadrar como uma manifestação antidemocrática, e o que fica no rol de livre manifestação de pensamento.

As definições sobre crimes contra o estado democrático de direito, as instituições democráticas e seu funcionamento; autoridades nacionais e estrangeiras, e atentado à integridade nacional são alguns dos temas a serem tratados no projeto da Câmara.

—A ideia é revogar essa lei, que não foi recepcionada pela Constituição Federal em muitas partes. Então vamos prever, dentro de pontos mais específicos, o que tipifica crimes contra a democracia e o estado democrático de direito. Todos esses tópicos vão ser debatidos pelo Parlamento, para que seja avaliado, em cada um deles, o que tipifica crime e o que não — explicou Margarete Coelho.

Ao participar de um debate promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Lira chamou a proposta de “nova lei do estado democrático de direito” e defendeu que o Congresso  se posicione para que o assunto “não caia no vácuo” e as ações no Supremo acabem provocando a suspensão de partes da LSN, deixando a legislação “solta”.

—Eu não tenho dúvida alguma que a Câmara contará com a unanimidade, quase que toda unanimidade (em defesa do projeto). Toda a Câmara dos Deputados e os partidos estão entendendo a necessidade de que algumas desvirtuações, para este momento atual, não sejam concebidas para o Brasil —disse Lira.

Então à frente do Ministério da Justiça, André Mendonça, hoje advogado-geral da União, chegou a enviar ofício à Polícia Federal pedindo a abertura de investigação contra os autores de um outdoor que dizia que Bolsonaro “não vale um pequi roído” — o inquérito foi arquivado pelo Ministério Público Federal. O caso, que tratou de crime contra a honra, teve origem na representação de um empresário que alegou que a manifestação se enquadrava na Lei de Segurança Nacional.

Em outro caso que foi encerrado posteriormente, Mendonça também pediu investigações contra dois jornalistas pela veiculação de uma charge em que Bolsonaro aparecia ao lado de uma suástica. Um delegado da Polícia Civil do Rio também viu infração à lei quando o youtuber Felipe Neto chamou, nas redes sociais, o presidente de “genocida” —a Justiça derrubou a apuração.

Segundo dados da Polícia Federal, foram abertas 51 investigações com base na legislação em 2020.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEMMG), disse que vai se alinhar a Lira para “otimização” dos trabalhos sobre o tema no Congresso:

— Cabe a nós, enquanto Congresso Nacional, a modernização dessa legislação de segurança nacional em defesa do estado democrático de direito. Há proposições na Câmara dos Deputados, há proposições no Senado Federal, alinharemos para que tenhamos a otimização desse trabalhos.

Já o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que a lei tem “inconstitucionalidades variadas” e defendeu uma “revisão”. Segundo ele, é necessário um equilíbrio entre a liberdade de expressão e os excessos que visam a destruir as instituições democráticas.

— Um olhar que talvez precise lançar sobre essa lei é a questão da tensão que existe hoje no mundo entre as campanhas de ódio, de desinformação e de desestabilização das instituições, vis-à-vis a liberdade de expressão —disse o ministro.

AÇÕES NO STF

Existem no STF ações departidos políticos contestando a constitucionalidade daLSN como um todo ou apenas trechos. Elas foram propostas pelo PTB, PSB e PSDB. Há uma maioria na Corte na direção de suspender trechos da lei, mas não há previsão de quando o tema vá a julgamento.

Dois inquéritos que tramitam no Supremo, o das fake news e o dos atos antidemocráticos, também foram abertos com base na LSN. E a ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes contra o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi baseada na lei.