O Globo, n. 32032, 19/04/2021, Mundo, p. 25

 

Urnas apontam rejeição em todo o espectro político
Janaína Figueiredo
19/04/2021

 

 

 

Os resultados do primeiro turno da eleição presidencial peruana e do segundo turno no Equador, ambos há oito dias, refletem um cenário político caótico na região, no qual são castigadas administrações que não entregam bons resultados, principalmente em matéria econômica, e que governam para minorias. Essaéa avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, que consideram que a pandemia acelerou um processo de desgaste departidos e lideranças políticas, e que hoje a demanda prioritária dos latino-americanos ao sistema democrático é acabar coma desigualdade crônica na região.

Não se trata, de acordo com a chilena Marta Lagos, diretora do centro de estudos Latino barômetro, devir adasà esquerda ou à direita. Hoje, disse ela, “acabou a ilusão de que os governos de esquerda fazem as coisas bem e os de direita as fazem mal. Isso acabou quando governos de esquerda perderam legitimidade ao quererem se perpetuar no poder”.

—Depois da época do hiper presidencialismo dos anos 2000, quando tivemos chefes de Estado com mais de 60% de aprovação, houve uma queda brutal. As pessoas se cansaram e não elegeram presidentes como Jair Bolsonaro ou Andrés Manuel López Obrador (México) por serem de esquerda ou direita, e sim pelo que prometiam fazer —afirmou Lagos.

Os 19,3% de votos obtidos no Peru pelo sindicalista Pedro Castillo no primeiro turno não têm a ver, segundo a diretora da Latino barômetro, com ele ser da extrema esquerda — desde que liderou uma greve nacional de professores em 2017, ele é relacionado a grupos políticos formados por ex membros do Sendero Luminoso, relação que sempre negou. O apoio a Castillo, opina Lagos, “é simplesmente um voto em alguém que levantou abandeirados excluído senão representa as elites”.

RISCO AUTORITÁRIO

O risco que paira sobre a América Latina é o do caminhar para uma ingovernabilidade estrutural, que acabe arrastando vários países para uma solução autoritária, de esquerda ou direita, dada a crise de representação da política na região.

— Em termos de democracia, estamos num período difícil para todos. Quando a democracia não entrega, as pessoas começam a considerar outras possibilidades — afirma Daniela Campello, da Fundação Getúlio Vargas.

Ela coincide em que a crise atual é anterior à pandemia e foi simplesmente acelerada pela tragédia sanitária. No caso do Peru, a fragmentação e o desprestígio dos partidos começaram com Alberto Fujimori (1990-2000) — que foi eleito e depois deu um “autogolpe”, fechando o Congresso —e se aprofundou após sua saída. Desde então, todos os presidentes estiveram envolvidos em escândalos de corrupção e muitos deles foram presos.

Tanto no Peru como no Equador, onde foi eleito o exbanqueiro de direita Guillermo Lasso, a pesquisadora da FGV observa cenários de extrema fragilidade.

— Vejo dois governos com poucas perspectivas de futuro. Olhando para frente, isso vale para toda a região. Haverá muita instabilidade e castigo aos que estão no poder —diz.

Neste ano, os argentinos irão às urnas em outubro para renovar o Parlamento, e os chilenos elegerão na mesma época o sucessor de Sebastián Piñera. Em ambos os casos, é esperado um voto de repulsa aos que estão no poder. O fato de Piñera ter colocado o Chile no topo do ranking de vacinação mundial, opinam analistas, não pouparia a direita chilena de sofrer um revés nas urnas. A desigualdade social continua sendo uma das questões pendentes do país.

No Equador, Lasso terá o desafio de mostrar que seu governo será inclusivo, sobretudo no que diz respeito às comunidades indígenas, que foram cruciais para sua vitória ao criarem, no primeiro turno, uma alternativa à força política liderada pelo ex-presidente Rafael Correa. Muitos dos eleitores do advogado indígena Yaku Pérez, que ficou em terceiro lugar na primeira votação, optaram por Lasso depois.

Na Bolívia, o governista Movimento ao Socialismo (MAS) foi derrotado no segundo turno de quatro eleições regionais realizadas também em 11 de abril, menos de seis meses depois da vitória do seu candidato, Luis Arce, nas eleições presidenciais. A ex-presidente do Senado Eva Copa, expulsa do MAS por críticas ao partido, afirmou que “o povo se desencantou com algumas ações de Evo Morales”.

PANORAMA SEM COERÊNCIA

Não existe coerência no panorama político regional, diz Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, centro de estudos dos EUA.

— A pandemia evidenciou as falências estruturais de todos os países e hoje é difícil prever resultados. O que fica claro é que as campanhas importam —apontou .

Nos últimos anos, instalouse na região um preconceito contra governos de todas as cores políticas. Sedimentou se no imaginário social a ideia de que se governa para minorias—de esquerda ou direita. Em plena pandemia e com pobreza e desemprego aumentando, esta sensação, concordaram os analistas, está mais à flor da pele do que nunca.