O Globo, n. 32032, 19/04/2021, País, p. 7

 

MPF aponta ‘violações sem precedentes' na política indigenista
Daniel Biasetto
19/04/2021

 

 

 

Retrocessos nos direitos conquistados nas últimas décadas, omissão na demarcação de terras e desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) são alguns dos problemas apontados pelo Ministério Público Federal (MPF) em balanço sobre a política indigenista implementada pelo governo Jair Bolsonaro ao longo do último ano. O documento será divulgado hoje, Dia do Índio.

Por meio de nota pública, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, que trata das populações indígenas e comunidades tradicionais, aponta ainda entre as falhas do governo a não adoção de políticas públicas em tempos de pandemia, o que, somado aos demais problemas, “compõe um quadro de violações sem precedentes na atual ordem institucional”.

O MPF cita como primeiro ato que afetou a Funai a publicação de medida provisória, de janeiro de 2019, transferindo o órgão para o Ministério da Agricultura. A medida foi revertida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve a Funai sob a alçada do Ministério da Justiça.

“Isso não impediu o enfraquecimento da autarquia e de suas atribuições, o que se dá de forma cotidiana e mediante alguns sucessivos atos”, diz o MPF.

Um dos retrocessos citados pelo Ministério Público é a edição, pela Funai, da Instrução Normativa nº 9. A regra faz com que, na prática, as terras indígenas que não estejam no último estágio de demarcação sejam excluídas da base de dados do sistema que controla a gestão fundiária, tornando “invisíveis” esses territórios e validando títulos de propriedades particulares anulados pela Constituição de 1988. O MPF já conseguiu vencer 19 de 26 ações alegando a inconstitucionalidade da instrução. Procurada, a Funai não se manifestou.

A nota pública obtida pelo GLOBO destaca ainda o veto do presidente Jair Bolsonaro ao acesso das aldeias a água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos no projeto de lei aprovado pelo Congresso que constitui parte do plano de combate à Covid-19 nas aldeias.

No mesmo projeto, o governo manteve o artigo que permite a permanência de missões religiosas nos territórios indígenas com a presença de povos isolados. O STF deve decidir sobre a questão.

O MPF frisa ainda que neste mês de abril completam-se três anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada ou homologada no país “aprofundando o déficit demarcatório e agravando o quadro de invasões e explorações ilegais desses territórios”.