O Globo, n. 32017, 04/04/2021, País, p. 11

 

Dória tenta reverter efeitos do excesso de exposição na pandemia
Gustavo Schmitt
04/04/2021

 

 

 

SÃO PAULO - Após 198 coletivas de imprensa em que apresenta dados da pandemia do coronavírus em São Paulo e medidas para tentar mitigar seus efeitos, o governador João Doria (PSDB) está tentando mudar sua comunicação. A equipe do tucano, que planeja concorrer à Presidência da República, identificou que a exposição em excesso pode fazer mal à sua imagem e atrapalhar, inclusive, os ganhos políticos da CoronaVac, vacina produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, e responsável por 90% da imunização de todo o país até agora.

 

Assessores próximos identificaram que as entrevistas coletivas frequentes, com críticas ao presidente Jair Bolsonaro, ajudaram Doria a se tornar mais conhecido fora de São Paulo. Ao mesmo tempo, porém, esses eventos lhe trouxeram desgaste, já que ele costuma ser portador de más notícias, como número de mortos e adoção de medidas mais rígidas de distanciamento.

A avaliação de seu grupo é de que a exposição não traz danos quando ligada à vacina. Não à toa, Doria deu duas coletivas no Butantan na semana passada. A avaliação, no entanto, não é unânime: aliados e até tucanos ligados à direção nacional dizem que pesquisas qualitativas internas mostram que mesmo essas aparições são exageradas e causam rejeição, o que explicaria por que a CoronaVac não surtiu efeitos positivos para a imagem de Doria nesses levantamentos. Parte dos encontros semanais agora fica a cargo do vice, Rodrigo Garcia (DEM), cotado para ser candidato ao governo de São Paulo no ano que vem.

 

Além de aparecer menos, Doria tenta focar suas declarações públicas em agendas positivas, como imunização, projetos que propiciem geração de emprego ou ajudem famílias vulneráveis — na quarta-feira, ele anunciou campanha de doação de comida ligada à vacinação.

A mudança de estratégia não é só no conteúdo. O tucano deixou de lado o paletó e passou usar camisa para fora da cintura e calça jeans. A mudança no vestuário ocorre pouco mais de um mês depois de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizer que Doria deveria ser mais brasileiro e “menos paulista".

 

Bom humor nas redes
Nas redes sociais, no lugar do mote do “João trabalhador”, que o alçou à prefeitura de São Paulo em 2016, apareceu o “João vacinador”. Ao rebater ataques de opositores, Doria adotou o bordão “vou vacinar você também”, como fez ao falar com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na última semana. Ainda na linha de dar leveza à sua comunicação, o tucano assumiu o apelido “calça apertada”, alcunha criada por bolsonaristas.

Para o cientista político Carlos Melo, a mudança na imagem do tucano busca o eleitorado de centro.

— Doria tem rejeição de parte da direita por romper com Bolsanaro e da esquerda por ser anti-PT. Agora quer amenizar a imagem com o perfil “zoeiro”, que não é tão conservador, pois sabe rir de si mesmo. Ao mesmo tempo, tenta reduzir sua exposição, mas sua ansiedade não o impede de ir ao Butantan dar inúmeras coletivas.

 

A exposição excessiva também pode levar a “escorregões”. O exemplo mais recente foi o lançamento da vacina Butanvac, no dia 26. Doria alardeou que seria o primeiro imunizante 100% nacional. Horas após o anúncio, o jornal “Folha de S.Paulo” revelou que a tecnologia para o imunizante foi desenvolvida nos Estados Unidos. Ainda assim, a produção ocorrerá 100% no Brasil, sem necessidade de importação de matéria-prima. Na segunda-feira, o governador disse que não sabia da pesquisa americana.

 

No PSDB, o episódio alimentou a oposição que Doria enfrenta na sigla.

A direção nacional do partido sustenta que o candidato à Presidência será escolhido por prévias. Além de Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, pretende concorrer. Não está descartada a hipótese de a legenda abrir mão da candidatura, caso o nome escolhido não consiga aglutinar outras forças do centro. Nesse sentido, a mudança na postura de Doria é bem vista, mas há desconfiança se há tempo hábil para reverter sua rejeição.