O Estado de São Paulo, n. 46474, 13/01/2021. Metrópole, p. A14

Butantã diz que Coronavac tem eficácia de 50,4%, suficiente para a aprovação
Fabiana Cambricoli
João Ker
Daniel Fernandes
13/01/2021



Instituto apresentou taxa de 78% semana passada, mas número se referia a só um recorte do estudo; e taxa de 100% de proteção contra casos graves ainda não tem significância estatística. Resultado atinge patamar exigido pela Anvisa e pela Organização Mundial da Saúde

Após pressão de cientistas, o governo de São Paulo e o Instituto Butantã anunciaram ontem que a taxa de eficácia geral da Coronavac é de 50,38%. O número é inferior ao apresentado na semana passada pelo governo, de 78%. Como o Estadão revelou, a taxa mais alta é só de um recorte do estudo, enquanto o dado de ontem considera toda a amostra de voluntários. Cientistas dizem que, apesar da menor eficácia, a vacina é segura e tem nível de proteção suficiente para ser aplicado na população.

O Butantã pediu semana passada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a autorização para o uso emergencial da Coronavac. A agência prevê decidir sobre a solicitação no domingo.

A taxa de 78%, apresentada semana passada, se refere a um recorte do estudo, o do grupo de voluntários que manifestaram casos leves de covid, mas com necessidade de atendimento médico. Já o índice geral, apresentado ontem, refere-se à análise de todos os casos de covid registrados na amostra de voluntários. Embora inferior à primeira taxa divulgada, o índice de 50,38% não deve impedir a aprovação do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que exige eficácia mínima de 50%, mesmo índice exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na prática, os dados indicam que a vacina reduziu em 50,38% o número de casos sintomáticos de covid entre os participantes da pesquisa – ou seja, a Coronavac reduz pela metade a chance de, uma vez infectado, manifestar a doença. O imunizante também diminui em 78% o número de infecções leves, mas que precisaram de alguma intervenção médica.

Já a proteção de 100% contra casos graves e moderados apresentada na semana passada pela gestão João Doria (PSDB) foi calculada com base em uma amostra de só sete pacientes com esse quadro da doença, todos no grupo placebo. Ontem, o Butantã esclareceu que o número é considerado pequeno para uma análise final e, portanto, não tem poder estatístico. Serão necessários mais casos graves na amostra de voluntários para determinara proteção final contra casos mais severos.

"É um dado ainda pequeno, não tem significância estatística, embora demonstre uma tendência e esperamos que se confirme", disse Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantã "Não há promessa de que ninguém vai morrer da doença se for vacinado, porque nenhuma vacina pode fazer essa promessa."

Embora Doria tenha destacado tal dado na coletiva de imprensa do último dia 7, e o índice tenha sido apresentada no título do material distribuído na ocasião, ainda não é possível, portanto, definir areal eficácia da Coronavac contra casos graves. Dados preliminares apontam que ela deve ser alta, ainda que não atinja os 100%.

"Não sabemos se o número de casos que vamos atingir até o momento de corte no acompanhamento do grupo controle será suficiente para demonstrar estatisticamente a significância desse número. Há uma tendência (de proteção alta) que corresponde ao efeito biológico esperado", diz Palacios. "A tendência da vacina é diminuir a intensidade clínica da doença." 

Explicações. A taxa de eficácia da Coronavac é menor do que a de outras vacinas contra a covid-19, como a da Pfizer (95%) e da Moderna (94%). Especialistas ressaltam, porém, que a comparação entre resultados é inadequada porque cada pesquisa segue um protocolo. Segundo Palacios, uma das explicações para a taxa menor da Coronavac está na definição de casos de covid usada nos testes clínicos. Foram considerados para avaliação qualquer caso leve da doença (mesmo os que não precisam de atendimento) em uma "decisão consciente" para que os estudos da fase 3 atingissem de forma mais rápida o mínimo de casos positivos exigidos.

O problema é que, se a vacina tem maior poder para impedir o agravamento da doença e não a infecção, quanto maior a abrangência de casos considerada, menor será a eficácia. "A vantagem é termos um estudo mais rápido. Estávamos sacrificando eficácia para aumentarmos o número de casos e termos uma resposta mais rápida."

A eficácia de 78% foi calculada com base em 38 infecções leves que precisaram de atendimento médico, das quais 31 ocorreram no grupo placebo e sete, no grupo vacinado. Já o índice de 50,38% foi observado com a análise do total de casos sintomáticos na amostra: 252, sendo 167 no grupo placebo e 85, no grupo vacinado.

Conforme o Butantã, a Coronavac não registrou eventos adversos graves, além de dor no local da aplicação. Só 0,3% dos voluntários tiveram reações alérgicas, taxa igualmente registrada entre quem recebeu a vacina e quem recebeu o placebo.

Os resultados brasileiros divergem dos de outros países que também testam a Coronavac. Na Turquia, análise preliminar demonstrou eficácia de 91%. Na Indonésia, onde a vacina teve uso emergencial aprovado anteontem, foi de 65,3%. Nos dois casos, a amostra de infecções entre voluntários foi bem inferior à do Butantã: de 30 casos analisados em cada país, ante 252 aqui, por isso o resultado brasileiro mais confiável do ponto de vista estatístico.  

Intensidade

"A tendência da vacina é diminuir a intensidade clínica da doença. Esse é o dado que a gente interpreta como conclusão."

Ricardo Palacios

DIRETOR DA PESQUISA NO BUTANTÃ