O Estado de São Paulo, n. 46473, 12/01/2021. Metrópole, p. A14

Após pressão de cientistas, Butantã promete eficácia geral de vacina
Fabiana Cambricoli
João Ker
12/01/2021



Taxa de 78% anunciada é só de um recorte dos testes e grau de proteção deve ser menor, disse cientista ao 'Estadão'

Após pressão de cientistas e jornalistas, o governo de São Paulo e o Instituto Butantã prometem anunciar hoje a taxa de eficácia geral da Coronavac, vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantã.

Na quinta-feira passada, a gestão João Doria (PSDB) afirmou que o imunizante tem 78% de eficácia contra casos leves da doença e 100% contra os quadros graves e moderados. Mas, como o Estadão revelou no sábado, os dados referem-se só a um recorte do estudo. A eficácia geral, principal indicador da pesquisa e que considera toda a amostra de voluntários, não foi revelada e deve ficar em patamar inferior, segundo disse à reportagem o infectologista Esper Kallas. Professor da USP, ele é coordenador do centro da pesquisa da Coronavac no Hospital das Clínicas.

"O que dá para dizer com os dados que temos é que a eficácia de 78% é para aqueles casos leves que precisaram de alguma intervenção médica, classificados como nível 3 na escala da Organização Mundial da Saúde, e a de 100% é para casos moderados e graves, classificados a partir do nível 4. Gostaríamos de ver os dados também para o nível 2, que são aqueles infectados que evoluíram bem em casa e não precisaram de atendimento médico", disse Kallas. "Quando você amplia a definição de caso, ou seja, inclui todos os casos positivos independentemente da gravidade, aumenta a sensibilidade para identificar casos de covid19, mas perde em especificidade.

Quando forem incluídos os dados de pacientes nível 2, dilui um pouco mais a eficácia e ela deve ficar menor", completou.

Logo após a coletiva, vários cientistas criticaram a falta de transparência do Butantã ao não divulgar a eficácia geral e outros detalhes dos testes clínicos. O número de casos de covid registrados em cada grupo do estudo (placebo e vacinado) só foi divulgado após questionamento do Estadão na coletiva de imprensa. Os dados informados pelo diretor do Butantã, Dimas Covas, após a pergunta apontam eficácia de 63% – calculada com base no registro de 218 casos de covid entre voluntários, sendo 160 no grupo que recebeu placebo e pouco menos de 60 entre os vacinados. Após as críticas, o governo anunciou que fará coletiva de imprensa hoje para apresentar tais dados. Segundo o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, os dados sobre eficácia geral da Coronavac estão em posse exclusiva do Butantã e da Anvisa. "As pessoas estão cobrando mais transparência, mas nem eu nem o governador sabemos qual é esse número."

A opção do Butantã por divulgar só o dado estratificado e não a eficácia geral pode ter relação com uma divergência de entendimento entre o instituto e a farmacêutica chinesa Sinovac sobre o que seria considerado um caso confirmado de covid para inclusão na amostra de casos positivos a serem analisados.

O dado brasileiro diverge dos de outros países que também estão testando a Coronavac. Na Turquia, análise interina demonstrou eficácia de 91%. Na Indonésia, onde o imunizante teve uso emergencial aprovado ontem, ficou em 65,3%. Nos dois casos, a amostra de casos de covid entre voluntários foi bem inferior à do Butantã: de 30 casos analisados em cada país, ante cerca de 220 no Brasil.

Contradição. No sábado, a Anvisa cobrou dados mais detalhados do Butantã para avaliar o pedido de uso emergencial, submetido na sexta-feira. Ontem, em coletiva, governo e Butantã entraram em contradição quanto ao envio de dados. Gorinchteyn afirmou que os dados que a Anvisa disse faltar já tinham sido enviados no dossiê de 10 mil páginas submetido na sexta. Já a diretora do Butantã, Cintia Lucci, disse que informações complementares ainda estavam sendo enviadas. À tarde, em nota ao Estadão, o Butantã confirmou a fala de Cintia.

Doria voltou a cobrar urgência da Anvisa na análise, mesmo com as pendências de documentos. "Não é razoável que processos burocráticos, ainda que em nome da ciência, se sobreponham à vida."