O Estado de São Paulo, n. 46470, 09/01/2021. Metrópole, p. A18

Saúde recua e diz que a requisição de seringas não atinge Estados e municípios
Mateus Vargas
Rafael Moraes Moura
09/01/2021



Mudança de posição foi informada a empresas após STF impedir que a União solicite dos governos locais insumos para a vacinação; compra federal em dezembro fracassou. Lewandowski afirma que negligência da equipe de Bolsonaro não pode penalizar outra gestão 

O Ministério da Saúde informou ontem a empresas que produzem ou distribuem seringas e agulhas que a requisição administrativa de seus estoques não atinge produtos que já estavam negociados com Estados, municípios e o Distrito Federal. O recuo da pasta ocorre após o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), impedir que a requisição trave os produtos comprados pela gestão paulista. Na decisão, o ministro também criticou a falta de planejamento do governo federal.

O ministério determinou à indústria nacional, em 31 de dezembro, a entrega de 30 milhões de seringas e agulhas após fracassar em tentativa de compra de 331 milhões de unidades. Em pregão eletrônico feito no último dia 29, houve lances válidos para só 7,9 milhões. Segundo apurou o Estadão, o ministério havia dito, em reuniões com a indústria, que a requisição atingiria até a produção que já estava comprada por Estados e municípios.

O ministério afirma que o fracasso no pregão não impedirá o começo da vacinação contra a covid-19, pois há estoque nos Estados para imunizar cerca de 60 milhões de pessoas. Estes produtos, porém, são usados para campanhas de rotina do Programa Nacional de Imunizações (PNI), como a vacinação contra a gripe e o sarampo. A indústria alerta o ministério desde julho sobre a necessidade de planejar uma grande compra de seringas e agulhas.

Em ofício enviado a empresas no último dia de 2020, a Saúde pedia que os estoques fossem colocados à disposição do governo federal em 8 de janeiro. Em reunião nesta semana, ficou acordado que o produto poderia ser entregue até o fim do mês. “A indústria/empresa deverá disponibilizar todo o quantitativo requisitado na área de expedição de seus depósitos”, afirma documento enviado às empresas.

Após a decisão de Lewandowski, o ministério enviou novo ofício para a indústria, afirmando que a requisição administrativa “não atinge os quantitativos dos insumos previamente contratados, na forma da lei, com os demais Entes da Federação”. A pasta ainda pede que as empresas digam se conseguem atender ao pedido do ministério, sem prejudicar entregas já acertadas com prefeitos e governadores. A Saúde pede cerca de 9 milhões de unidades de seringas e agulhas a cada empresa.

‘Incúria’. A decisão do ministro do Supremo marcou nova vitória para governadores sobre o Palácio do Planalto. Lewandowski atendeu a um pedido da Procuradoria-geral do Estado de São Paulo, que acionou o STF após uma das fornecedoras de seringas e agulhas informar o governo paulista que não poderia entregar os materiais em razão de o Ministério da Saúde ter requisitado que todo estoque da empresa fosse entregue à União até o meio-dia de ontem.

“A incúria (inércia) do Governo Federal não pode penalizar a diligência da Administração do Estado de São Paulo, a qual vem se preparando, de longa data, com o devido zelo para enfrentar a atual crise sanitária”, escreveu o ministro na decisão.

O presidente Jair Bolsonaro tem responsabilizado a indústria e pelo fracasso do governo na aquisição de seringas. Nesta semana, ele afirmou que a compra do produto está suspensa até que “os preços voltem à normalidade”. O governo também restringiu exportações de seringas e zerou impostos de importação para evitar a falta de insumos necessários.

Até agora, cerca de 50 países já começaram a vacinação contra a covid-19, incluindo países latino-americanos como México e Argentina.

Diligência

“A incúria do governo federal não pode penalizar a diligência do Estado de São Paulo”

Ricardo Lewandowski

MINISTRO DO STF

PARA ENTENDER

Confisco já foi vetado antes

Esta não foi a primeira vez em que o Supremo decidiu que a União não pode confiscar bens de Estados. O ministro Lewandowski citou dois precedentes relacionados à requisição de ventiladores pulmonares pelo governo federal para fundamentar a decisão favorável ao governo paulista. No primeiro deles, relatado por Luís Roberto Barroso, o plenário suspendeu ato em que a União requisitou 50 equipamentos adquiridos pelo Mato Grosso do Sul. No mês passado, o STF deu aval a governadores e prefeitos para decidir sobre a obrigatoriedade da imunização e até mesmo imponham restrições para quem se recusar a ser vacinado. Todas essas decisões contrariaram as posições manifestadas pelo presidente Jair Bolsonaro.