O Globo, n. 32015, 02/04/2021, Mundo, p. 21

 

Ponte com o Congresso 

Janaína Figueiredo 

02/04/2021

 

 

Em um sinal que já o diferencia do antecessor, Ernesto Araújo, o novo ministro das Relações Exteriores, Carlos França, teve conversas com os presidentes das comissões de Relações Exteriores da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e do Senado, Kátia Abreu (Progressistas-TO), antes mesmo de ser empossado, na próxima terça-feira. A ideia principal era ressaltar sua disposição de manter um bom relacionamento com o Legislativo.

Apesar da condução altamente questionável do Itamaraty, foi a pressão política em Brasília que derrubou Ernesto – e França sabe disso. Nos últimos cinco meses, no cargo de assessor-chefe de Jair Bolsonaro, França participou de reuniões privadas do presidente com lideranças políticas importantes, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com ministros, como Paulo Guedes. Também esteve na reunião da última semana em que Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) cobraram Ernesto por seu desempenho em relação à pandemia. No mesmo dia, senadores pediram sua saída.

Os contatos com Aécio e Kátia Abreu, confirmados pelos parlamentares ao GLOBO, foram considerados mais uma boa sinalização de França, que tem causado impressão positiva entre colegas e no mundo parlamentar. A designação do embaixador Fernando Simas Magalhães como secretário-geral do Itamaraty foi outro dos gestos que caiu bem entre diplomatas.

O que as mesmas fontes e analistas políticos se perguntam é como o novo chanceler fará para conciliar seu perfil cauto e apegado à tradição do Itamaraty, com um presidente como Bolsonaro, que não costuma consultar seus ministros na hora de opinar. A moderação do novo ministro, opina o cientista político Rafael Favetti, "não significa o enquadramento do Palácio do Planalto". O analista lembra que o presidente "trabalha com o objetivo central de sua reeleição e precisa, permanentemente, manter sua base engajada e animada".

Diplomatas como o embaixador Rubens Barbosa, com quem França trabalhou na embaixada brasileira nos Estados Unidos (1999-2004), acreditam que o estilo ponderado do novo chanceler conseguirá reconstruir pontes, internas e externas.

— Ele já está reconstruindo pontes dinamitadas por Ernesto Araújo nos últimos dois anos. Telefonou para a senadora Kátia Abreu e para Aécio Neves. Vai buscar reconstruir a relação com a China, Estados Unidos, com a região. Quem decide a política externa é o presidente, mas acho que vai mudar o estilo e o tom —aponta Barbosa.

Depois do ataque público de Ernesto a Kátia Abreu, no domingo passado, o relacionamento entre o Congresso e o Itamaraty ficou ainda mais estremecido. Em poucos dias, França conseguiu restabelecer o diálogo.

— Tenho recebido testemunhos da correta trajetória profissional do novo ministro, tendo ele servido como chefe de gabinete do conceituado embaixador Rubens Barbosa, em Washington, e se especializado no importante tema da integração energética —afirmou Aécio.

O deputado disse ter informado França sobre o convite da comissão para uma audiência nas próximas semanas.

Kátia Abreu, por sua vez, disse que a primeira conversa com França "foi amigável".

— Me coloquei à disposição para falarmos sobre pautas importantes que compartilhamos, como a questão das vacinas, relacionamento com a China e o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE). As referências que temos dele são muito boas — afirmou a senadora.

ARTICULAÇÃO DO ALMIRANTE

O pragmatismo do novo ministro gera expectativa no Itamaraty. Para sua escolha, confirmaramfontes diplomáticas, foi crucial a articulação do almirante Flávio Augusto Viana Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos do Planalto, figura muito próxima a Bolsonaro e um dos nomes que circulou semana passada como possível sucessor de Ernesto diante de sua iminente saída.

O novo ministro e o almirante, conhecido como Rochinha, trabalhavam juntos no Planalto e estabeleceram um bom relacionamento. França não era o nome preferido do círculo familiar de Bolsonaro, que tentou, sem sucesso, emplacar o embaixador Luis Fernando Serra, à frente da sede diplomática em Paris.

Diante da resistência, especialmente entre parlamentares — comentou-se que Serra tinha um perfil radical, com posições complexas em matéria de meio ambiente e direitos humanos —, o nome de França ganhou relevância, com o apoio deRocha Viana. Eles têm estilo similar e se entendem muito bem.

A questão, alertam analistas, é como fará o novo ministro para lidar com as cascas de banana que Bolsonaro deixará em seu caminho.

A expectativa por seu discurso de posse é grande entre diplomatas. Muitos lembram que a estreia de Ernesto causou perplexidade. O ex-ministro disse coisas como "só o amor explica o Brasil", comparou Olavo de Carvalho a Dom Quixote e declamou a Ave Maria em tupi. Por parte de França, disseram fontes diplomáticas, "espera-se um posicionamento profissional e apegado às tradições da casa".

—França será um ministro mais institucional do que foi Ernesto, essa será a grande diferença. O recomeço tem sido positivo, existe boa vontade de todos os setores — afirma o embaixador José Alfredo Graça Lima.

Entre analistas políticos que acompanham o dia a dia do governo Bolsonaro, a dúvida é saber até que ponto França conseguirá ser uma influência sobre o presidente.

— França poderá introduzir novos temas, novas maneiras de atuar, mas a política externa é do governo e depende do presidente — opina o cientista político Leonardo Barreto.

Com a saída de Araújo e os primeiros gestos de França, desmontou-se a ofensiva contra o Itamaraty por parte do Congresso. Os ânimos se acalmaram, e sabe-se que o novo ministro não dobrará as apostas radicais do presidente em matéria de relações externas. Resta saber, se conseguira contê-las. (Colaborou Isabel Fleck, de São Paulo)