O Globo, n. 32015, 02/04/2021, Sociedade, p. 12

 

Prefeituras e estados estocam remédios e podem ameaçar oferta de ‘kit intubação’

Renata Mariz

02/04/2021

 

 

Com a escassez generalizada de remédios para intubação, prefeituras e estados têm apresentado demandas consideradas exageradas pelo grupo que coordena o compilamento dos dados que definem a distribuição dos insumos pelo Ministério da Saúde. Integrantes do núcleo consideram que pode haver uma tentativa de fazer estoque, o que se mostra equivocado e “beira o crime”, segundo Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Um apelo por uma “demanda real” tem sido feito entre gestores no país.

Eles preferem não divulgar os nomes dos locais para evitar mais tensões, mas um dos casos considerados suspeitos foi o de um estado que solicitou o mesmo montante de outro que possui 10 vezes mais leitos. Em outro episódio, um município pediu a mesma quantidade por quatro semanasconsecutivas.Umcontato foi feito com o funcionário responsável, que admitiu apenas repetir as previsões, sem checar a real demanda.

Mauro Junqueira, que faz parte do grupo que coordena o recebimento dos pedidos para repassar ao Ministério da Saúde, comentou, em reunião na terça-feira, o caso do estado (chamado por ele de “região”) bem menor que o outro que pediu a mesma quantidade:

— Percebemos abusos em alguns pedidos, tivemos uma região que tem 10% de leitos em relação a outra, e o pedido é igual. Isso é um abuso, é absurdo, para não falar que pode beirar aí crime. Tem que ter muita responsabilidade, todos nós, gestores.

Ele ressaltou ainda que as condutas podem “matar pessoas”:

—A omissão, o abuso na informação ou a informação errada podem matar pessoas. Enquanto eu tenho medicamento no estoque, em outro lugar do país está faltando, e pessoas estão morrendo. Isso tem que ficar claro.

Ao GLOBO, Junqueira disse que os registros fora do padrão podem também ser resultado de erros na hora do preenchimento. Ele evitou falar em “má-fé” ou “maldade” por parte dos gestores, mas destacou que o desejo de ter estoque pode, sim, explicar os dados de demanda informados.

A planilha com as demandas compiladas por cada estado, a partir das necessidades declaradas pelos hospitais nos municípios, é alimentada semanalmente, com a coordenação de representantes do Conass e do Conasems e representantes do Ministério da Saúde.

A sistemática começou desde meados do ano passado, na primeira escassez de medicamentos para intubação, no auge da chamada primeira onda da Covid-19. E voltou a ser usada de forma mais consistente nos últimos meses, quando, de novo, os estoques baixaram.