O Globo, n. 32031, 18/04/2021, País, p. 7

 

Após desgastes, chefe da inteligência sai das sombras

Aguirre Talento

Jussara Soares

18/04/2021

 

 

Poucos integrantes do governo têm acesso irrestrito ao Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, está nessa lista. Aos finais de semana, ele costuma levar informações estratégicas a Jair Bolsonaro. Nos últimos meses, porém, o chefe do serviço secreto brasileiro ficou desgastado após ter sido envolvido num suposto caso de arapongagem junto com a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), conforme revelou a revista “Época” em dezembro. Acossado, Ramagem tem adotado um plano de marketing pessoal, atípico para a sua função, ao tentar melhorar a sua imagem. O diretor-geral da Abin tinha um perfil no Twitter desde outubro de 2012, mas, devido à discrição exigida para ocupar o seu cargo, participava pouco da rede social. No último dia 6, Ramagem decidiu reativar a sua conta, um movimento que nenhum de seus antecessores havia feito até então.

Sob pressão, Ramagem decidiu virar uma figura pública e divulgou a conclusão de uma sindicância que, segundo ele, teria inocentado a agência no episódio de produção de relatórios de inteligência fornecidos clandestinamente para auxiliar a defesa do filho do presidente no caso das “rachadinhas”. Entretanto, uma das advogadas do senador disse que Ramagem encaminhou os documentos para Flávio. Segundo a advogada, partiram da Abin os dois relatórios e a recomendação para que a defesa protocolasse uma petição na Receita Federal solicitando formalmente documentos que embasassem a suspeita de que o senador foi alvo de uma ação ilegal por servidores do Fisco.

Além de reativar o Twitter, o diretor-geral da Abin criou contas no Instagram e no YouTube para falar sobre o mesmo assunto que o colocou na berlinda. Mas ele tem aproveitado para se engajar nas pautas do governo e, assim, tentar agradar o presidente. Ele passou a compartilhar publicações institucionais de Bolsonaro a respeito da distribuição de vacinas, divulgou o leilão de concessão de aeroportos e compartilhou publicações de ministros. Além disso, endossou críticas à imprensa feitas pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno.

PROJETO POLÍTICO

Essa investida gerou rumores nos bastidores do governo de que Ramagem estaria se movimentando para se lançar candidato a deputado nas eleições de 2022. Perguntado por amigos sobre esse assunto, ele diz não ter planos políticos. Em conversas reservadas, o chefe da Abin reclama de ter se tornado alvo de ataques da imprensa e diz que buscou as redes para ter um canal direto de comunicação. Delegado da Polícia Federal (PF) desde 2005, Ramagem chegou ao comando da Abin com o apoio de Carlos Bolsonaro, em julho de 2019. Os dois se aproximaram na campanha eleitoral de 2018, quando o policial assumiu a coordenação da segurança de Jair Bolsonaro após o episódio da facada em Juiz de Fora (MG). Em função disso, foi convidado para trabalhar no Palácio do Planalto. A confiança de Bolsonaro em Ramagem era tamanha que, em abril de 2020, ele foi escolhido para dirigir a PF.

A sua posse, no entanto, foi barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, sob suspeita de interferência do presidente na corporação após acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Impedido de assumir o cargo, o diretorgeral da Abin indicou Rolando de Souza, um delegado de sua confiança. A ideia era aproximar as duas corporações, ampliando o seu poder de influência. Esse plano foi por água abaixo nas últimas semanas, quando Bolsonaro decidiu trocar a chefia da PF, nomeando para o posto o delegado Paulo Maiurino, num claro sinal da perda de prestígio de Ramagem.