O Estado de São Paulo, n. 46469, 08/01/2021. Metrópole, p. A10

 

Butantã diz que Coronavac tem 78% de eficácia; saúde pede 100 milhões de doses

Fabiana Cambricoli

Mateus Vargas

Priscila Menge

08/01/2021

 

 

Imunizante é desenvolvido pelo instituto paulista em parceria com laboratório chinês; responsáveis pelo estudo disseram que nenhum dos voluntários dos testes precisou ser hospitalizado por causa da covid. Doria prevê iniciar imunização em São Paulo no próximo dia 25

GOVERNO SP
Eficácia. João Doria anunciando, em coletiva no Butantã, o resultado da fase três da Coronovac: pacote incluiu o Plano Estadual de Imunização

Após quatro adiamentos, o governo de São Paulo divulgou ontem que a Coronavac, vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantã, tem 78% de eficácia contra casos leves de covid, incluindo os de tratamento ambulatorial. À tarde, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou ter assinado contrato para comprar 100 milhões de doses do produto.

A gestão João Doria (PSDB) também informou que o imunizante apresentou 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou que necessitassem de internação hospitalar. Isto é, nenhum voluntário vacinado precisou ser hospitalizado por causa da covid-19.

O Butantã deve pedir o registro para uso emergencial hoje (leia mais ao lado). O Estado tem 10,8 milhões de doses do imunizante e aguarda a chegada de outras 35 milhões até a primeira quinzena de fevereiro. A primeira fase do Plano Estadual de Imunização ocorrerá de 25 de janeiro a 28 de março, focada em 9 milhões de pessoas – profissionais de saúde, idosos e indígenas.

Os testes clínicos da Coronavac no Brasil foram realizados com a participação de 12.476 voluntários, todos profissionais de saúde, em 16 centros de pesquisa no País. De acordo com Dimas Covas, diretor do Butantã, foram registrados 218 casos de covid entre os voluntários, dos quais cerca de 160 ocorreram no grupo que recebeu placebo e pouco menos de 60, entre os vacinados.

Considerando esses dadoos, o índice bruto de eficácia seria de 63%. A diferença deste dado para os 78% apresentados não foi explicada pelo Butantã, mas o órgão ressaltou que "o estudo é complexo e permite a apresentação detalhada por tipo de caso", conforme a gravidade do quadro. Segundo o Butantã, o foco foi mostrar o "impacto da vacina na pandemia e o quanto ela evitará a progressão da doença grave".

Os demais detalhes do estudo, como o intervalo de confiança e os índices de eficácia por faixa etária, ainda não foram divulgados. Segundo o Butantã, esses relatórios serão apresentados assim que a Anvisa concluir a análise do pedido para uso emergencial.

Inicialmente, o intervalo previsto entre as doses seria de 21 dias. Ontem, Covas disse que se estuda a possibilidade que o intervalo tenha entre 14 e 28 dias, para que a "cobertura vacinal seja maior e mais rápida."

Covas destacou a importância da ação do imunizante na prevenção de casos graves. "Uma vacina tem papéis diferentes em situações normais e em situações pandêmicas como essa", afirmou ele. "Temos de lembrar que estamos perdendo pessoas. Uma vacina nesse momento vem pra diminuir a carga da doença, para impedir que as pessoas uma vez infectadas desenvolvam a forma grave da doença". Doria chamou a data de um dia "histórico".

Ministério. Pazuello anunciou à tarde ter assinado contrato para comprar 100 milhões de doses da Coronavac. Em discurso com críticas à imprensa e defesa da própria biografia e voltou a afirmar que a vacinação no País começa, no melhor cenário, em 20 de janeiro.

A compra da vacina Coronavac é assunto delicado no governo federal. Por disputa política com Doria (PSDB), o presidente Jair Bolsonaro fez Pazuello recuar de uma proposta de aquisição do imunizante em outubro. Ontem, o Butantã chegou a afirmar que o contrato não havia sido firmado, mas à noite reconheceu a assinatura do documento pelo instituto.

"Estamos hoje (ontem), na sequência da aquisição de doses com Butantã, fechando contrato que vai a 100 milhões de doses. Máximo que ele (o Butantã) consegue produzir. Já tínhamos um memorando assinado desde outubro, final de setembro, nos comprometendo com aquisição da totalidade produzida", afirmou Pazuello.

O ministro afirmou que só conseguiu avançar no contrato com o Butantã após a edição anteontem de Medida Provisória que permite a compra de vacinas antes da liberação do registro pela Anvisa. A ideia do governo é ter 8 milhões de doses de vacina disponíveis ao começar a campanha de imunização, sendo 6 milhões da Coronavac e 2 milhões do modelo de Oxford/AstraZeneca.

O secretário executivo da Saúde, Elcio Franco, afirmou que serão compradas 46 milhões de doses da Coronavac inicialmente. A ideia é distribuir até abril. Cada unidade custará R$ 58,2. O primeiro contrato é de R$ 2,67 bilhões. A pasta terá ainda opção de compra de mais 54 milhões de doses, que devem ser distribuídas no resto do ano.

Pazuello fez defesa do seu próprio trabalho e da atuação de Bolsonaro. Disse que há "incompreensão" sobre a gestão na Saúde. A fala ocorre no momento em que o governo é pressionado para antecipar o calendário de vacinação – cerca de 50 países já começaram. Dentro do governo há dúvidas sobre a permanência de Pazuello na pasta nos próximos meses.

Contrato

"Estamos, na sequência da aquisição de doses com o Butantã, fechando contrato que vai a 100 milhões de doses. Máximo que ele consegue produzir."

Eduardo Pazuello

 

MINISTRO DA SAÚDE

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Especialistas comemoram, mas solicitam mais dados

08/01/2021

 

 

Cientistas elogiam a capacidade da vacina de impedir casos graves e destacam facilidades logísticas da Coronavac

A eficácia de 78% da Coronavac foi comemorada por especialistas, não só pelo índice superior ao mínimo de 50% exigido pelas agências regulatórias, mas também pelo fato de ser uma vacina que já está em produção em solo brasileiro e que tem maior facilidade de armazenamento em comparação com imunizantes como o da Pfizer, que exigem refrigeração de -70ºC. Por outro lado, os cientistas cobram do Butantã a apresentação de mais dados do estudo.

"Acima de 50% já seria uma boa vacina, com perfeita capacidade de reduzir danos, doenças graves, mortes e a circulação do vírus. Mas essa eficácia de 78% ainda precisa ser bem explicada. Os números brutos não foram apresentados. Precisamos aguardar para entender de onde veio esse número. Mas, ao que tudo indica, é um bom resultado", disse Natália Pasternak, pesquisadora visitante do ICBUSP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).

Para Isabella Ballalai, vicepresidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o fato de a vacina prevenir em 100% o agravamento da doença é animador. "Esses resultados são muito bem-vindos. Se proteger todos contra o agravamento, a covid pode se tornar uma doença que as pessoas podem até pegar, mas, se vacinadas, não desenvolverão nada grave. Precisamos dos dados completos do estudo para saber exatamente o que esperar dessa vacina, mas temos um sinal de que o Brasil pode ter, em breve, duas vacinas: a Coronavac e a de Oxford", afirmou.

Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), comemorou o fato de a vacina ter se mostrado 100% eficaz contra quadros graves em todas as faixas etárias. "Os dados apontaram que, pelo menos o grupo acima de 60 anos que foi avaliado, até este momento, não teve ninguém com doença grave, o que é fantástico", destacou. / F.C., GONÇALO JÚNIOR E PAULA FELIX

PROGRAMA DE VACINAÇÃO

Plano prevê vacinar 9 milhões de pessoas. Duas doses por pessoa, com intervalo de 21 dias.

• A partir de 25 de janeiro

Profissionais de saúde, indígenas e quilombolas. Segunda dose a partir de 15 de fevereiro.

• A partir de 8 de fevereiro

Idosos de 75 anos ou mais. Segunda dose em 1º de março.

• A partir de 15 de fevereiro

Idosos entre 70 e 74 anos. A segunda dose será aplicada a partir de 8 de março.

• A partir de 22 de fevereiro

Idosos entre 65 e 69 anos. Segunda dose em 15 de março.

• A partir de 1º de março

Idosos entre 60 e 64 anos. Segunda dose em 22 de março

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Instituto deve pedir registro da vacina hoje

08/01/2021

 

 

A expectativa é de que o Instituto Butantã solicite hoje à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o uso emergencial do imunizante. Representantes dos dois órgãos se reuniram na manhã e na noite de ontem para reuniões depré-submissão do registro. Até agora, nenhum laboratório protocolou pedido de registro.

"A reunião de pré-submissão é uma estratégia que segue a prática de outras autoridades regulatórias do mundo. A análise formal da Anvisa começa a partir da chegada do processo com informações globais sobre a vacina", acrescentou. Com a apresentação dos resultados finais, a previsão é que a Anvisa leve até dez dias para analisar o pedido. Já o pedido de registro definitivo será feito somente após a Sinovac dar entrada no mesmo processo na agência regulatória chinesa, informou o Butantã.

O instituto não informou a data que a farmacêutica chinesa pretende entrar com o pedido. Após a submissão no país asiático, caso a agência regulatória chinesa dê o aval à Coronavac antes do órgão brasileiro, o governo paulista pode apelar para lei federal que fixa prazo de 72 horas para manifestação da Anvisa sobre o uso de produtos importados aprovados em outras agências regulatórias, como a chinesa.

Outras vacinas. A Fiocruz prevê pedir o registro da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca ainda esta semana. O laboratório tem acordo para produzir doses no Brasil.

O ministro Eduardo Pazuello disse ainda que negocia comprar a vacina russa Sputnik V, que será fabricada pela farmacêutica brasileira União Química. Citou também diálogo com a Janssen, que, segundo ele, tem preço baixo e a imunização exige só uma dose. Mas a empresa ofereceu só 3 milhões de doses ao País, com entrega que começaria no 2º trimestre.

Ele declarou que negocia 30 milhões de doses da Moderna, com entrega após outubro. E voltou a criticar a oferta limitada de doses da Pfizer e a proposta da empresa, que exige não responder pelos efeitos colaterais registrados no País.