O Globo, n. 32030, 17/04/2021, Rio, p. 4

 

Leilão da CEDAE em risco

Gabriel Sabóia

17/04/2021

 

 

RIO - Depois da geosmina, que lançou uma enxurrada de queixas de consumidores sobre a qualidade da água distribuída pela Estação de Tratamento do Guandu, uma liminar suspendeu ontem o leilão para a venda da Cedae, previsto para daqui a duas semanas. O governo do estado recorreu da decisão judicial, que determinou que a concessão da companhia seja por 25 anos. No entanto, o edital lançado no fim do ano passado prevê prazo de 35 anos. Especialistas dizem que, com a mudança, o pregão do próximo dia 30 pode ir água abaixo.
A Secretaria estadual da Casa Civil informou que 12 empresas nacionais e internacionais formalizaram interesse em participar da concorrência e realizaram mais de 3.500 visitas técnicas às sedes da Cedae espalhadas pelo estado. O agendamento de vistorias já foi encerrado, e, por isso, novos grupos não devem se manifestar. A entrega das propostas vai até o próximo dia 27. De acordo com o edital, as vencedoras vão investir cerca de R$ 30 bilhões para praticamente universalizar os serviços de coleta e tratamento de esgoto, além do fornecimento de água, em 20 anos. Também estão no edital medidas de recuperação do meio ambiente.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que o volume de investimentos previsto no edital de licitação é diretamente atrelado ao tempo de concessão. Uma redução de dez anos no tempo de operação, portanto, inviabilizaria esse contrato. O economista Cláudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, por exemplo, afirma que a liminar pode inviabilizar a concessão da Cedae e que, ainda que seja derrubada, a medida mostra às empresas que estão concorrendo que há uma insegurança jurídica.
— As contas foram feitas em função de 35 anos de concessão. Em um edital como esse, todos os requisitos e termos de exigência são calculados para um período determinado. Caso isso mude, as contas precisam ser refeitas, e um novo edital, publicado, por causa dessa mudança significativa no escopo. Obviamente, caso essa liminar não seja derrubada, o leilão não será feito na data prevista. Imagine como as empresas interessadas estão avaliando essa movimentação? É insegurança jurídica na veia — disse.
Lei X Decreto
O texto da liminar, do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Adolpho Andrade Mello, considera que “há clara divergência entre o prazo do contrato de concessão dos serviços, que o fixou em 35 anos, e o previsto no artigo 4º da lei estadual 2.831/97, que o limita a 25 anos”. O magistrado contesta a validade do decreto 47.422/20, que estabeleceu o prazo de 35 anos para a concessão dos serviços, e afirma ser necessária a aprovação um novo projeto de lei autorizando a ampliação desse período. Isso deixaria a decisão nas mãos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Foi justamente do Legislativo que partiu a ação questionando o tempo de concessão. Ela foi assinada pelos deputados Luiz Paulo (Cidadania), Lucinha (Lucinha), Waldeck Carneiro (PT), Gustavo Schmidt (PSL) e Flávio Serafini (PSOL). Em 2017, a Alerj aprovou a privatização da Cedae. Luiz Paulo alega que o objetivo, agora, é trazer segurança ao contrato e nega interesse em ver o leilão ser cancelado. Para ele, o caso pode abrir espaço para que outras mudanças em regras de concessão sejam feitas por meio de decretos:
— O decreto do governador foi editado em 23 de dezembro de 2020. O grupo de deputados entrou com o pedido de inconstitucionalidade em 15 de janeiro. Não estamos entrando com pedido de última hora para derrubar o leilão, nem causar insegurança. Mas, não há como modificar a Lei das Concessões por decreto. Há que se respeitar a hierarquia das leis, a função do parlamento e a segurança jurídica.
Waldeck Carneiro disse que o estado terá que submeter à Alerj um projeto de lei:
— A concessão não pode ser por 35 anos se a legislação em vigor no estado que disciplina as concessões estaduais diz que o prazo máximo é de 25 anos. Um decreto do governador não pode modificar isso, ele não tem poder para tal.
Estado vai recorrer
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado destacou que essa questão já foi alvo de deliberação no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), que se manifestou de acordo com a tese do governo sobre o tempo de concessão de 35 anos. O órgão vai recorrer.
Já apresentaram suas propostas ao governo do estado as empresas Encibra S.A. Estudos e Projetos de Engenharia, Iguá Saneamento S.A., Equatorial Energia S.A., Saneamento Ambiental Águas do Brasil S.A., Conen Engenharia, BRK Ambiental, Hidrocon Engenharia LTDA, Aegea Saneamento, Sam Ambiental e Engenharia, Biancade Engenharia LTDA, GS Inima Brasil LTDA e Dimensional Engenharia.
A privatização da Cedae está prevista no Regime de Recuperação Fiscal, no qual ficou acordado que o estado suspenderia o pagamento das dívidas com a União. Em troca, o Palácio Guanabara cumpriria uma série de medidas de ajuste, para acertar suas contas. Na época da assinatura, em 2017, o governo do Rio contraiu um empréstimo de R$ 2,9 bilhões para quitar os salários dos servidores, e a Cedae foi dada como contragarantia. O financiamento já venceu no fim do ano passado, mas a empresa não foi concedida.